domingo, 19 de setembro de 2010

Nota Fiscal Eletrônica e seu Impacto no Mercado Editorial e Livreiro

Preparava um post para este blog sobre a implementação da Nota Fiscal Eletrônica ou NF-e, quando recebi um convite do Gerson Ramos para que desse uma entrevista para a Revista da SuperpedidoTecmedd. Convite aceito, o Celso de Campos Jr. ligou, conversamos bastante, passei algumas anotações, e o ótimo e esclarecedor texto do Celso, com a devida autorização para ser reproduzido aqui, segue abaixo.


"Caros leitores-livreiros, circulem em sua folhinha, com caneta vermelha, o dia 1° de dezembro de 2010 – seu negócio passará por uma grande transformação a partir desta data. Nesse dia, por um dispositivo legal, editoras e distribuidoras passarão a ser obrigadas a emitir exclusivamente notas fiscais eletrônicas para suas operações. É o dia oficial da extinção da nota fiscal em papel, portanto, do lado de editoras e distribuidoras. Parece pouco? Nada disso. Ainda que as livrarias, ao menos por enquanto, não precisem igualmente aderir ao regime de emissão da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), e possam continuar a emitir as tradicionais notas fiscais do talão, a mudança terá impacto direto no varejo, como os senhores poderão ver ao longo das próximas páginas.

Um aviso importante, antes de seguirmos em frente: a alteração do processo de emissão da nota fiscal de papel para o modo eletrônico não modifica em nada as regras vigentes na legislação, no tocante, por exemplo, ao recolhimento de impostos, ao regulamento do ICMS, nem mesmo ao processo de consignação. Na teoria, portanto, tudo continua como dantes no quartel de Abrantes; na prática, porém, os alicerces da prática comercial entre editoras e distribuidoras e livrarias serão sensivelmente alterados.

Com a Nota Fiscal Eletrônica, o governo passa a ter um controle automático e instantâneo sobre as transações comerciais – sem depender da fiscalização física nas empresas, à moda antiga, com os fiscais revirando armários para tentar descobrir algo errado. Agora, a fiscalização está a um clique de distância: o sistema gera para a Receita imediatamente, em tempo real, um relatório completo de quem está fazendo o quê, e como.

Para o mercado do livro, que, a bem da verdade, nunca recebeu da Receita uma grande atenção – já que o livro, por ser imune de IPI e ICMS, não gerava arrecadação –, a mudança para a NF-e deve despertar atenção. Mais do que isso, a obrigação de seguir ao pé da letra, a partir de agora, todas as regras da legislação, para evitar problemas contábeis e/ou situações indesejadas com a fiscalização.

Consignação

Enraizado no mercado livreiro, o processo da consignação também não sofreu alterações em termos de legislação com a chegada da Nota Fiscal Eletrônica – mas a adoção da NF-e poderá abalar assustadoramente suas estruturas, ao implicar em um aumento significativo de trabalho para todos os lados envolvidos nessa prática.

Até agora, como é do conhecimento e da rotina da maioria dos leitores-livreiros, a prática da consignação funcionava da seguinte maneira: o cliente recebia os livros consignados – novidades e fundo de catálogo – e fazia várias reposições ao longo do mês. Conforme o combinado com cada livreiro, era passado um acerto semanal, quinzenal ou mensal – uma simples relação por e-mail, fax ou telefone, e na editora ou distribuidora se lançava o acerto. Era costume deixar de lado dois aspectos exigidos pela legislação: a emissão da nota fiscal de devolução simbólica e, nelas, a identificação da referência às notas fiscais de consignação recebidas.

Pois agora, com a NF-e, tudo isso será obrigatório, inescapável. Resumindo, então, em quatro passos:

1- O cliente precisa emitir a Nota Fiscal de Devolução Simbólica para o acerto da consignação, seja preenchida à mão ou por sistema eletrônico.
2- Essas notas fiscais devem trazer a referência às notas fiscais de consignação recebidas.
3-A Nota Fiscal de Devolução Simbólica tem de estar totalmente correta, isto é, títulos, exemplares e preços têm que estar precisos. Se um preço estiver errado, ou um título estiver com [quantidade maior a ser faturada do que realmente está consignada, essa nota terá que ser cancelada pelo cliente e outra deverá ser emitida].
4- Para as devoluções de consignação, as notas fiscais também têm que estar referenciadas com as notas fiscais de consignação recebidas.

Jaime Mendes, gerente comercial da Zahar – que desde 1º de junho de 2010 já trabalha com notas fiscais eletrônicas –, acredita que a adoção obrigatória da NF-e provocará mudanças definitivas nas relações entre os elos do mercado editorial e livreiro. “A parte mais afetada será a prática da consignação, pois vai gerar um trabalho imenso e economicamente inviável de ser realizado pelas editoras. A editora terá que diminuir a quantidade de clientes atendidos diretamente. A alternativa é que passem a ser atendidos pelos distribuidores estaduais ou nacionais. A escolha é de cada livraria”, explica.

Modus operandi

Como exemplo do volume de trabalho que será exigido para adequar a consignação às notas fiscais eletrônicas, vejamos as etapas que a Zahar adotou, com base nesses meses iniciais de experiência, antes de fazer um acerto de consignação.

1- O cliente informa os títulos a serem acertados, como anteriormente.
2- Na editora, é feito um lançamento no sistema para identificar os títulos e exemplares que podem ou não ser faturados, além de conferir os preços.
3- Gera-se um arquivo TXT que é transformado em Excel e enviado por e-mail para que o cliente possa emitir a Nota Fiscal de Devolução Simbólica com os títulos, quantidades e preços corretos.
4- O cliente então deve emitir essas Notas Fiscais de Devolução Simbólica e enviá-las para a editora, seja por e-mail, fax ou correio. (É impossível, portanto, prever o tempo que as notas levarão para a chegar à editora.)
5- A editora dá entrada novamente e confere se o que está escrito ou impresso está correto com o que foi checado anteriormente – Jaime relata que, mesmo com a emissão do arquivo, a editora já recebeu várias notas erradas.
6- Se o cliente usar a nota fiscal de preenchimento manual ou sistema informatizado que usa um número de nota fiscal para cada formulário, serão emitidas muitas notas fiscais de devolução simbólica para um acerto de consignação.
7- O acerto de consignação precisa ser feito nota a nota; portanto, será gerado um boleto de cobrança bancária para cada nota de acerto, o que aumenta em muito os custos de cobrança bancária, que hoje são assumidos pela editora. Existirão casos de mais de 20 boletos para um acerto de consignação.

Outra questão: toda vez que ocorrer alteração de preços, as consignações precisam ser zeradas para serem refeitas com os novos preços. Basta dar uma olhada na quantidade de títulos em consignação no estoque da maioria das livrarias para se ter uma ideia do volume de trabalho necessário para realizar tal empreitada.

Modernização

Com tantos comentários sobre as mudanças e o aumento de trabalho no tocante à consignação, o observador mais desavisado pode pensar que cá estamos a criticar a adoção da Nota Fiscal Eletrônica. Obviamente, não é isso. Trata-se de parte do irreversível processo de modernização das relações comerciais, que, se no início pode vir acompanhado de um certo bater de cabeças, por certo traz inúmeros benefícios para todos os lados. A tendência é que, aos poucos, todo o comércio seja obrigado a adotar a NF-e – inclusive, claro, as livrarias. Por isso é bom se manter sempre atualizado.

Estudioso do mercado editorial e livreiro, Jaime Mendes, da Zahar, acredita que o benefício do novo sistema supera e muito simplesmente a agilização das operações contábeis. “A Nota Fiscal Eletrônica vai obrigar o mercado a se profissionalizar um pouquinho. Somos ainda muito informais”, diz ele. “E também, espero, mude um pouco a situação da consignação: do jeito que está, vai enterrar todo mundo. Era para ser algo esporádico, mas se tornou a base do negócio da maioria das livrarias, e isso acarreta uma série de problemas. Não estimula ter bons profissionais no mercado e gera uma perda na capacidade de vender”, conclui.


BOX

Tudo sobre a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e)

O que é?
Documento de existência apenas digital, emitido e armazenado eletronicamente, com o intuito de documentar, para fins fiscais, uma operação de circulação de mercadorias ou uma prestação de serviços. Sua validade jurídica é garantida pela assinatura digital do remetente (garantia de autoria e de integridade) e pela recepção, pelo Fisco, do documento eletrônico, antes da ocorrência do Fato Gerador.

Quem precisa emitir (e quando)?
A Nota Fiscal Eletrônica tem validade em todos os Estados da Federação e já é uma realidade na legislação brasileira desde outubro de 2005. Em 2009, o protocolo ICMS 42/09 estabeleceu a obrigatoriedade da utilização da Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) em substituição à Nota Fiscal, modelo 1 ou 1-A, pelo critério de Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) e operações com os destinatários que especifica, para uma série de operações.
O início da vigência dessa obrigatoriedade foi determinado para 1º de dezembro de 2010, de acordo com o protocolo Confaz/ICMS 83 (de 25 de julho de 2010). Entre elas estão: 1811-3/02 (impressão de livros, revistas e outras publicações periódicas), 4618-4/03 (representantes comerciais e agentes do comercio de jornais, revistas e outras publicações) e 4647-8/02 (comércio atacadista de livros, jornais e outras publicações).
Empresas com o CNAE 4761-0/01 (comércio varejista de livros), até o momento, não dispõem de prazo para aderir ao regime da Nota Fiscal Eletrônica.

Penalidades
Quando a legislação determina a emissão de um documento, independentemente de qual seja ele, a emissão de qualquer outro documento não tem validade. Assim, se a empresa deixar de emitir a nota fiscal eletrônica, emitindo em seu lugar a nota modelo 1 e 1A, será como se não tivesse emitido nota fiscal alguma. A penalidade, nesses casos, se enquadra na punição por falta de emissão de um documento exigido pelo Fisco; cada estado institui a punição para as empresas.
Em São Paulo, caso o Fisco se depare com mercadorias sendo entregues sem emissão de NF-e, a multa é de 50% do valor da operação. Supondo que o fiscal pare o caminhão que transporta as mercadorias da empresa, a mesma multa é aplicada. As mercadorias podem ser apreendidas até que a operação seja regularizada. A não-emissão de NF-e traz problemas também para os clientes, e não somente aos fornecedores; eles podem ter que pagar uma multa de valor equivalente a 50% da operação.

Vantagens

Para os vendedores
- Redução de custos de impressão do documento fiscal, já que o documento é emitido eletronicamente. O modelo da NF-e contempla a impressão de um documento em papel, chamado de Documento Auxiliar da Nota Fiscal Eletrônica (DANFE), cuja função é acompanhar o trânsito das mercadorias ou facilitar a consulta da respectiva NF-e na internet. Apesar de ainda haver, portanto, a impressão de um documento em papel, deve-se notar que este pode ser impresso em papel comum A4 (exceto papel jornal), geralmente em apenas uma via.
- Redução de custos de aquisição NF em formulário de papel, pelos mesmos motivos expostos acima.
- Redução de custos de armazenagem de documentos fiscais.
- Simplificação de obrigações acessórias. Inicialmente a NF-e prevê dispensa de Autorização de Impressão de Documentos Fiscais – AIDF. No futuro outras obrigações acessórias poderão ser simplificadas ou eliminadas com a adoção da NF-e.

Para os compradores
- Eliminação de digitação de notas fiscais na recepção de mercadorias, uma vez que poderá adaptar seus sistemas para extrair as informações, já digitais, do documento eletrônico recebido. Isso pode representar redução de custos de mão-de-obra para efetuar a digitação, bem como a redução de possíveis erros de digitação de informações.
- Planejamento de logística de recepção de mercadorias pelo conhecimento antecipado da informação da NF-e, pois a previsibilidade das mercadorias a caminho permitirá prévia conferência da Nota Fiscal com o pedido, quantidade e preço, permitindo, além de outros benefícios, o uso racional de docas e áreas de estacionamento para caminhões.
- Redução de erros de escrituração devido à eliminação de erros de digitação de notas fiscais.

Para o fisco
- Aumento na confiabilidade da Nota Fiscal.
- Melhoria no processo de controle fiscal, possibilitando um melhor intercâmbio e compartilhamento de informações entre os fiscos.
- Redução de custos no processo de controle das notas fiscais capturadas pela fiscalização de mercadorias em trânsito.
- Diminuição da sonegação e aumento da arrecadação sem aumento de carga tributária."

3 comentários:

Anônimo disse...

Eu gostaria de tirar uma dúvida, mas sobre o RPA. Trabalho como revisor de uma editora, e, em todo trabalho realizado, emito um RPA no qual 11% é descontado para o INSS. Você saberia me informar se há como comprovar se esta quantia realmente é transferida para o INSS? Esse valor descontado pode ser resgatado em alguma ocasião? Trabalho com RPA há pouco tempo e tenho algumas dúvidas ainda com esse tipo de recibo.

Grato.

Efraim Rodrigues disse...

Obrigado por gastar seu tempo nos informando. Estava perdido, fiquei furioso. Para que o governo está nos metendo nesta fria se a cadeia do livro paga tão pouco imposto ?

Jana disse...

gostei de saber sobre essa NF-e. é interessante saber que o governo, aos poucos, vai se infiltrando e controlando tudo o que consumimos. não será um lento processo de ditadura, onde temos que reportar tudo ao governo? sou uma apaixonada por livros que gostaria de voltar ao mercado livreiro e editorial, será que isso não dificulta minha volta para esse mercado de trabalho?

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