segunda-feira, 25 de abril de 2011

Saiu na mídia #6 O Futuro do Direito Autoral

Tendo em vista a importância do tema reproduzo abaixo o que foi publicado originalmente no Phonoblog. Destaco esta passagem que entendo deva ser o fio condutor da questão dos direitos autorias. "Precisamos falar menos em termos de pirataria e muito mais em termos da ameaça para a viabilidade financeira da cultura no século 21, porque é isso que está em risco se não tivermos uma política de direitos autorais efetiva e devidamente equilibrada." Francis Gurry
A partir daqui é o texto que está no Phonoblog.

Diante da importância das ideias, argumentos e propostas expostas nesta conferência pelo Diretor Geral da WIPO, Francis Gurry, decidimos traduzir integralmente o texto para o português. Um obrigado a Pena Schmidt pelo repasse do original. 
Tradução de Juliano Polimeno, CEO da Phonobase Music Services
Blue Sky Conference: Future Directions in Copyright Law
Queensland University of Technology, Sydney, Australia
O Futuro do Direito Autoral (Texto original em inglês “The Future of Copyright“)
Francis Gurry, Diretor Geral da WIPO (World Intellectual Property Organization)
25 de fevereiro de 2011

Estou muito satisfeito por ter a oportunidade de participar desta Conferência. Parabenizo a Faculdade de Direito da Universidade de Tecnologia de Queensland (QUT) e os principais organizadores da Conferência, Professor Brian Fitzgerald e Ben Atkinson, por assumir o desafio lançado pela sociedade digital.

Poucas questões de propriedade intelectual ou, se me permitem sugerir, de política cultural são tão importantes quanto as consequências da mudança estrutural revolucionária introduzida pela tecnologia digital e pela Internet. Recentemente, como o número de pessoas no mundo com acesso à Internet passa de dois bilhões (1), o apoio para endereçar as consequências dessa mudança fundamental atingiu o nível mais alto. Ambos Sarkozy, presidente da França, e Medvedev da Rússia pediram ao G20 para analisar a questão. Em seu discurso em Davos, no início deste ano, o presidente Medvedev declarou que “os antigos princípios de regulação da propriedade intelectual não estão mais funcionando, principalmente quando se trata da Internet “. Isso, afirmou, “carrega o colapso de todo o sistema de propriedade intelectual”.

A tecnologia digital e a Internet criaram o mais poderoso instrumento para a democratização do conhecimento desde a invenção dos tipos móveis para impressão. Eles introduziram a fidelidade perfeita e custos próximos a zero na reprodução de obras culturais e uma capacidade sem precedente de distribuir essas obras pelo globo a velocidades instantâneas e, de novo, com custos próximos a zero.

A promessa sedutora de acesso universal a trabalhos culturais veio com um processo de destruição criativa que tem abalado os alicerces dos modelos de negócio de nossas indústrias criativas pré-digitais. Subjacente a este processo de mudança há uma questão fundamental para a sociedade. É a questão central da política de direitos autorais. Como a sociedade pode tornar as obras culturais disponíveis para o maior público possível, a preços acessíveis e, ao mesmo tempo, assegurar uma existência econômica digna aos criadores e intérpretes e aos parceiros de negócios que os ajudam a navegar no sistema econômico? É uma questão que implica uma série de equilíbrios: entre a disponibilidade, por um lado, e o controle da distribuição de obras como forma de extrair valor, por outro; entre consumidores e produtores; entre os interesses da sociedade e os do criador individual; e entre a gratificação a curto prazo do consumo imediato e do processo de longo prazo de fornecer incentivos econômicos que premiam a criatividade e fomentam uma cultura dinâmica.

A tecnologia digital e a Internet tiveram, e continuarão a ter, um impacto radical sobre esses equilíbrios. Eles deram um avanço tecnológico para um lado da balança, o lado da livre disponibilidade, do consumidor, do desfrute social e da gratificação a curto prazo. A história mostra que é uma tarefa impossível reverter o desenvolvimento tecnológico e a mudança que ele produz. Ao invés de resistir a isso, temos de aceitar a inevitabilidade da mudança e buscar um engajamento inteligente com ela. Não há, de qualquer forma, outra escolha – ou o sistema de direitos autorais se adapta ao natural avanço que ocorreu ou irá se extinguir.

Adaptação, neste caso, exige, na minha opinião, ativismo. Estou convencido de que uma atitude passiva e reativa aos direitos autorais e à revolução digital acarreta um risco maior de que os resultados da política serão determinados por um processo darwiniano de sobrevivência do modelo de negócios mais apto. O modelo de negócios mais forte pode vir a ser aquele que alcança ou respeita o equilíbrio do direito social na política cultural. Ele também pode, no entanto, vir a não respeitar esses equilíbrios. Os equilíbrios não deverão, em outras palavras, ser deixados ao léu das possibilidades tecnológicas e da evolução dos negócios. Eles devem, sim, ser estabelecidos através de uma resposta política consciente.

Existem, acredito eu, três princípios principais que poderiam nos guiar no desenvolvimento de uma resposta política de sucesso. O primeira deles é a neutralidade para com a tecnologia e os modelos de negócios desenvolvidos em resposta à tecnologia. O objetivo do direito autoral é não influenciar as possibilidades tecnológicas para a expressão criativa ou modelos de negócio construídos sobre essas possibilidades tecnológicas. Também não é seu propósito preservar os modelos de negócios estabelecidos no âmbito das tecnologias obsoletas ou moribundas. Sua finalidade é, creio eu, trabalhar com qualquer e com todas as tecnologias para a produção e distribuição de obras culturais, e extrair algum valor dos intercâmbios culturais possibilitados por essas tecnologias para retornar aos criadores e intérpretes e aos parceiros de negócios envolvidos por eles para facilitar esse intercâmbio cultural através do uso das tecnologias. O direito autoral deve promover o dinamismo cultural, não preservar ou promover interesses comerciais escusos.

Um segundo princípio é o da abrangência e coerência na resposta política. Não acho que exista uma resposta mágica. Ao invés disso, é mais provável que uma resposta adequada venha de uma combinação de leis, infraestrutura, mudança cultural, colaboração institucional e melhores modelos de negócio. Deixe-me comentar cada um desses elementos brevemente.

A Lei foi por muitas décadas, senão séculos, considerada a forma de fazer política de direitos autorais. Ela ainda deve ser o árbitro final, mas sabemos que é um instrumento bastante rígido e limitado no ambiente digital. Nesse ambiente, o volume de tráfego, a natureza internacional ou multi-jurisdicional de tantas relações e transações e o regulamento frouxo do Domain Name System, que permite um elevado grau de anonimato, fazem da lei mera sombra de si mesma no mundo físico, uma força enfraquecida. Suas instituições e seu alcance estão presos em uma gaiola territorial, mesmo que o comportamento econômico e tecnológico tenha rompido essa gaiola já há algum tempo. Em consequência, a cultura da Internet é tal que plataformas influenciam comportamentos, tanto quanto, senão mais, do que as leis.

Reconhecendo a limitação da lei, e sua incapacidade de fornecer uma resposta abrangente, não significa que devemos abandona-la. Existem muitas e importantes questões jurídicas a serem abordadas. Entre elas, creio que a questão da – e aqui eu uso, ou faço uso indevido, deliberadamente de um termo do direito civil – responsabilidade dos intermediários é primordial. A posição dos intermediários é chave. Eles são, ao mesmo tempo, prestadores de serviços, bem como parceiros, concorrentes e até clones de criadores, artistas e seus parceiros de negócio, daí a dificuldade que temos para chegar a uma posição clara sobre o papel dos intermediários.

Como havia sugerido, penso que a infraestrutura é parte tão importante da solução quanto as leis. Vamos ousar dizer que a infraestrutura do mundo da gestão coletiva está desatualizada. Ela representa um mundo de territórios separados onde o titular do direito se expressa em diferentes meios, não o mundo multi-jurisdicional da Internet ou a convergência da expressão em tecnologia digital. Isso não quer dizer que a gestão coletiva ou as sociedades de gestão coletiva não são mais necessárias. Mas elas precisam de reforma e evolução. Precisamos de uma infraestrutura global que permita a concessão simples de licenças globais, algo que torne a tarefa de licenciamento de obras culturais legalmente na Internet tão fácil quanto a obtenção de tais obras ilegalmente. O tempo não me permite entrar em detalhes, mas gostaria de repetir duas mensagens de conferências recentes (2). Primeiro, eu acredito que um registro internacional de música – um banco de dados do repertório global – seria um passo muito importante e necessário no sentido de estabelecer a infraestrutura para o licenciamento global. E, segundo, a fim de ser bem sucedida, essa futura infraestrutura global deve trabalhar com as sociedades de gestão coletiva existentes e não tentar substituí-las. Ela deve proporcionar um meio de liga-las em um sistema global, assim como o Patent Cooperation Treaty (PCT) liga os escritórios de patentes do mundo, ao invés de substituí-los.

Além das leis e da infraestrutura, temos a cultura, e a Internet desenvolveu, como sabemos, sua própria cultura, que viu um partido político, o Partido Pirata, emergir para disputar eleições tendo como plataforma a abolição ou a reforma radical da propriedade intelectual, em geral, e do direito autoral, em particular. A plataforma do Partido Pirata proclama que “[o] monopólio do detentor de direitos de explorar comercialmente uma obra estética deve ser limitada a cinco anos após a publicação. Um termo de cinco anos de direitos autorais para uso comercial é mais do que suficiente. O uso não-comercial deve ser livre desde o primeiro dia.”

O Partido Pirata pode ser uma expressão extrema, mas o sentimento de aversão ou desrespeito à propriedade intelectual na Internet é generalizado. Olhe para a incidência de download ilegal de música. Podemos discutir sobre a melhor metodologia a ser usada para medir esse fenômeno, mas estamos todos certos de que a prática atingiu proporções alarmantes.

Para efetuar uma mudança de atitude, penso que precisamos reformular a pergunta que a maioria das pessoas veem ou ouvem sobre direitos autorais e Internet. As pessoas não reagem ao serem chamadas de piratas. De fato, alguns, como vimos, até mesmo tem orgulho disso. Eles responderiam, creio eu, a um desafio de compartilhar responsabilidade pela política cultural. Precisamos falar menos em termos de pirataria e muito mais em termos da ameaça para a viabilidade financeira da cultura no século 21, porque é isso que está em risco se não tivermos uma política de direitos autorais efetiva e devidamente equilibrada.

O quarto elemento em um projeto abrangente e coerente é a colaboração institucional. Esta é uma área muito delicada, onde qualquer ação pode ter uma influência desproporcional sobre a batalha pelos corações e mentes do público sobre a questão da política de direitos autorais. É também uma área um pouco incoerente, com diferentes abordagens nacionais, algumas enfatizando ações contra consumidores e outras mirando os intermediários; abordagens multilaterais no Anti-Counterfeiting Trade Agreement (ACTA), e algumas ações práticas da indústria ou códigos de auto-regulação.

Acredito que precisamos de maior coerência, se estamos dispostos a fazer progressos nesta área. Precisamos definir com sensatez quais objetivos compartilhamos, começando de forma modesta. Mas estamos muito limitados pela relutância de alguns países para acolher qualquer discussão ou ação internacional nesta área.

O elemento final de um projeto abrangente e coerente são melhores modelos de negócio. Isto está, sem dúvida, acontecendo agora. Mas a história não acabou e, para o futuro, devemos sempre lembrar a nós mesmos que a história do confronto de nosso mundo do direito autoral clássico com o ambiente digital tem sido mais um conto de pesar da resistência Luddite (3) do que um exemplo de engajamento inteligente.

Deixe-me ir para a sugestão final de um princípio orientador que conduza a uma resposta de sucesso para o desafio digital. Creio que precisamos de mais simplicidade nos direitos autorais. O direito autoral é complicado e complexo, refletindo as sucessivas ondas de desenvolvimento tecnológico nos meios de expressão criativa ,da impressão à tecnologia digital, e as respostas de negócios para esses diferentes meios. Corremos o risco de perder nossa audiência e apoio público, se não pudermos tornar a compreensão do sistema mais acessível. Gerações futuras irão claramente se lembrar de muitas das obras, direitos e agentes de negócios de que falamos como bonitos artefatos da história cultural, algo que o disco de vinil tornou-se num espaço muito curto de tempo. A obra digital vai alterar as dimensões. Vemos isso acontecendo com o conteúdo gerado pelo usuário. Também com a impressão 3D ou fabricação por adição de camadas (additive manufacturing) onde o arquivo digital é a tecnologia de fabricação e a fábrica. Este é o reino do céu azul e espero que esta Conferência possa começar a desenvolver as ferramentas para explorar esse céu.

NOTAS:
(1) International Telecommunication Union, The World in 2010: ICT facts and figures.
(2) Address at Music: Sounding out the Future, Beijing, November 2011 and KeyNote Speech at MidemNet 2011, Cannes, France, January 2011.
(3) Os Luddites foram um movimento social de operários ingleses do início do século 19 que destruíram suas máquinas de trabalho como forma de protesto. Refere-se geralmente àquele que se opõe a mudanças tecnológicas.

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