Volto novamente ao assunto tradução (veja post anterior aqui) para compartilhar o excelente artigo de Lenke Peres publicado no Observatório da Imprensa dia 30 janeiro de 2011. Portanto o Google Translate e similares não são o caminho. Como destaca o Lenke Peres: "nunca houve tantos canais e ferramentas de comunicação e nunca se comunicou – verdadeiramente – tão pouco e com tão má qualidade." Segue o artigo completo.
Mudança no mundo da tradução
Por Lenke Peres
Sim, o mundo da tradução mudou. Neste mundo de tradutores eletrônicos amplamente disponíveis online, os tradutores profissionais – e, por tabela, a própria língua portuguesa – estão cada vez mais desvalorizados. Uma profissão desde sempre mal remunerada, comparativamente à sua importância cultural e informativa e ao esforço despendido por aqueles que a exercem. Nunca a conhecida expressão traduttori, traditore coube tão bem – mas agora aos tradutores eletrônicos e/ou aos tradutores inexperientes, negligentes ou não profissionais que os usam em suas traduções.
Certamente não foram os bons tradutores profissionais que introduziram o abominável gerundismo no português brasileiro corrente, vício de linguagem que hoje integra até os textos de jornalistas. E quanto à tradução do termo em inglês plant para "planta", quando dispomos das traduções "fábrica, unidade industrial, unidade de produção, instalações industriais; usina, estação", conforme o caso? Casualty virou "casualidade", em lugar de baixa ou morte. Na área de seguros, o termo comprehensive policy, para designar uma apólice ou cobertura abrangente, completa ou total, virou "apólice compreensiva" (embora muitas seguradoras mostrem que suas apólices não são tão compreensivas assim na hora de pagar as indenizações). No âmbito judiciário, internal affairs virou "assuntos internos", em vez de corregedoria.
Outro dia, ouvi alguém dizer que ia "marcar um apontamento", em vez de "marcar uma hora/um horário/uma consulta/etc." com alguém. E o que dizer da expressão "nossas vidas" que invadiu a mídia e as legendas e dublagens dos filmes? Em português, falamos, por exemplo, "a melhor época da nossa vida", não "a melhor época das nossas vidas", até porque temos uma vida só (crenças religiosas à parte, pelo amor de Deus, como diz o meu amigo João Ubaldo Ribeiro ao abordar um tópico polêmico em suas crônicas, peço encarecidamente aos discordantes que enviem seus protestos à Redação do OI).
Hoje, na hora de ler um artigo traduzido nos jornais e revistas ou ouvir o noticiário internacional no rádio ou na TV, o bom tradutor profissional "lê por trás", ou seja, são tantos os erros de tradução que é possível identificar o termo original por trás da tradução incorreta e "ler" o que o autor dizia realmente; embora, às vezes, a tradução seja tão ruim que nem isso é possível.
Em seu ofício, o bom tradutor sabe que "se não faz sentido para mim, não fará sentido para o leitor". E, apesar de não ser em absoluto remunerado por isso, o tradutor apaixonado por seu ofício pode passar horas pesquisando um único termo até chegar à solução de tradução correta ou mais próxima do significado pretendido pelo autor.
Porém, o mundo de hoje repele o cuidado e suas primas cultura e experiência em favor do custo baixo e do imediatismo do trabalho. No caso das empresas, muitas vezes orçamentos são pedidos online para anônimos, vencendo aquele que oferece o preço mais baixo e o prazo mais curto, esquecendo-se elas do sábio dito popular de que "o barato sai caro", uma vez que traduções ruins terão de ser revisadas por pessoal interno, devendo o custo desse pessoal (horas gastas na revisão e horas deixadas de trabalhar em sua função original) ser adicionado ao custo do serviço, além de o resultado final do trabalho ficar bem aquém do desejável. Em seus sites, empresas, inclusive as de mídia, não disponibilizam um canal específico para a oferta de prestação de serviços, não possibilitando aos profissionais de tradução apresentarem seu histórico. Na verdade, nunca houve tantos canais e ferramentas de comunicação e nunca se comunicou – verdadeiramente – tão pouco e com tão má qualidade.
E, por fim, não posso deixar de mencionar a omissão, pela mídia e pelos sites de livrarias e de lojas virtuais, do nome do tradutor da obra por eles mencionada ou comercializada, relegando o tradutor ao anonimato ou então o deixando à mercê da apropriação indevida de sua obra.
Existem exceções à observação acima. Sites como o da Livraria Cultura e da Travessa exibem o nome dos tradutores dos livros. No caso das editoras, algumas das que têm grande preocupação em ter bons tradutores entre seus colaboradores, como são os casos da Zahar, Companhia das Letras, Editora 34 e Cosac Naify para citar algumas, os tradutores têm seus nomes junto dos autores dos livros.
Mudança no mundo da tradução
Por Lenke Peres
Sim, o mundo da tradução mudou. Neste mundo de tradutores eletrônicos amplamente disponíveis online, os tradutores profissionais – e, por tabela, a própria língua portuguesa – estão cada vez mais desvalorizados. Uma profissão desde sempre mal remunerada, comparativamente à sua importância cultural e informativa e ao esforço despendido por aqueles que a exercem. Nunca a conhecida expressão traduttori, traditore coube tão bem – mas agora aos tradutores eletrônicos e/ou aos tradutores inexperientes, negligentes ou não profissionais que os usam em suas traduções.
Certamente não foram os bons tradutores profissionais que introduziram o abominável gerundismo no português brasileiro corrente, vício de linguagem que hoje integra até os textos de jornalistas. E quanto à tradução do termo em inglês plant para "planta", quando dispomos das traduções "fábrica, unidade industrial, unidade de produção, instalações industriais; usina, estação", conforme o caso? Casualty virou "casualidade", em lugar de baixa ou morte. Na área de seguros, o termo comprehensive policy, para designar uma apólice ou cobertura abrangente, completa ou total, virou "apólice compreensiva" (embora muitas seguradoras mostrem que suas apólices não são tão compreensivas assim na hora de pagar as indenizações). No âmbito judiciário, internal affairs virou "assuntos internos", em vez de corregedoria.
Outro dia, ouvi alguém dizer que ia "marcar um apontamento", em vez de "marcar uma hora/um horário/uma consulta/etc." com alguém. E o que dizer da expressão "nossas vidas" que invadiu a mídia e as legendas e dublagens dos filmes? Em português, falamos, por exemplo, "a melhor época da nossa vida", não "a melhor época das nossas vidas", até porque temos uma vida só (crenças religiosas à parte, pelo amor de Deus, como diz o meu amigo João Ubaldo Ribeiro ao abordar um tópico polêmico em suas crônicas, peço encarecidamente aos discordantes que enviem seus protestos à Redação do OI).
Hoje, na hora de ler um artigo traduzido nos jornais e revistas ou ouvir o noticiário internacional no rádio ou na TV, o bom tradutor profissional "lê por trás", ou seja, são tantos os erros de tradução que é possível identificar o termo original por trás da tradução incorreta e "ler" o que o autor dizia realmente; embora, às vezes, a tradução seja tão ruim que nem isso é possível.
Em seu ofício, o bom tradutor sabe que "se não faz sentido para mim, não fará sentido para o leitor". E, apesar de não ser em absoluto remunerado por isso, o tradutor apaixonado por seu ofício pode passar horas pesquisando um único termo até chegar à solução de tradução correta ou mais próxima do significado pretendido pelo autor.
Porém, o mundo de hoje repele o cuidado e suas primas cultura e experiência em favor do custo baixo e do imediatismo do trabalho. No caso das empresas, muitas vezes orçamentos são pedidos online para anônimos, vencendo aquele que oferece o preço mais baixo e o prazo mais curto, esquecendo-se elas do sábio dito popular de que "o barato sai caro", uma vez que traduções ruins terão de ser revisadas por pessoal interno, devendo o custo desse pessoal (horas gastas na revisão e horas deixadas de trabalhar em sua função original) ser adicionado ao custo do serviço, além de o resultado final do trabalho ficar bem aquém do desejável. Em seus sites, empresas, inclusive as de mídia, não disponibilizam um canal específico para a oferta de prestação de serviços, não possibilitando aos profissionais de tradução apresentarem seu histórico. Na verdade, nunca houve tantos canais e ferramentas de comunicação e nunca se comunicou – verdadeiramente – tão pouco e com tão má qualidade.
E, por fim, não posso deixar de mencionar a omissão, pela mídia e pelos sites de livrarias e de lojas virtuais, do nome do tradutor da obra por eles mencionada ou comercializada, relegando o tradutor ao anonimato ou então o deixando à mercê da apropriação indevida de sua obra.
Existem exceções à observação acima. Sites como o da Livraria Cultura e da Travessa exibem o nome dos tradutores dos livros. No caso das editoras, algumas das que têm grande preocupação em ter bons tradutores entre seus colaboradores, como são os casos da Zahar, Companhia das Letras, Editora 34 e Cosac Naify para citar algumas, os tradutores têm seus nomes junto dos autores dos livros.
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