terça-feira, 9 de abril de 2013

Saiu na mídia # 12: Entre letras e números

Compartilhando o ótimo texto de Josélia Aguiar publicado no Valor Econômico em 28.03.2013



Otávio Marques da Costa enviou o currículo pelo site. Advogado jovem num grande escritório de São Paulo, queria mudar de profissão. Começou a cursar outra faculdade, de história, aventava um mestrado no exterior e, enquanto não se decidia, passou a se ocupar nas horas vagas como preparador de texto, um tipo avançado de revisor. Pelo site, seu currículo chegou até a diretora editorial da Companhia das Letras, então Maria Emília Bender. Contratado como assistente por um salário que correspondia a metade do que ganhava, mudou de emprego sem hesitar.
Contado até aí, o enredo se presta a um livro sobre gestão de carreira, título que talvez tivesse boa acolhida sem alcançar as listas de mais vendidos. Com o desfecho, dá até best-seller: depois de cinco anos, o funcionário que se distinguiu por um comprometimento singular acaba de assumir o recém-criado cargo de publisher, o que representa chefiar o coração de uma das mais prestigiosas editoras do país. A virada representa bem a ousadia na hora de apostar e a velocidade para obter resultados que exige hoje o mercado editorial brasileiro, espelho de grandes praças estrangeiras.
A função é compartilhada. Ao lado de Costa, assumiu Júlia Moritz, filha do fundador, Luiz Schwarcz. Ambos têm 31 anos, dividiam a mesma sala e agora participam juntos de temporadas de imersão no grupo britânico Penguin, que comprou 45% da Companhia das Letras em 2011. A mudança no organograma levou à saída de gente que estava havia décadas na casa, como a própria Maria Emília, e à promoção de assistentes para cargos de editores, agora ocupados também com novos selos editoriais, como Paralela e Seguinte, que marcam a entrada em nichos comerciais. Coordenados pela dupla de publishers, oito editores na faixa dos 30 anos leem, aprovam ou descartam obras oferecidas por agentes, "scouts" ou os próprios autores. Antes se responsabilizavam pela edição do texto - encomendas de tradução, preparação e revisão -, que cabe hoje a um núcleo criado exclusivamente para a tarefa.
A renovação das equipes - não só a troca, o rejuvenescimento de seus componentes - é uma das mudanças por que passam editoras de médio e grande porte diante de um mercado que tende a ficar ainda mais aguerrido. Pelo menos cinco das mais importantes editoras do país reestruturaram recentemente seu corpo editorial - além da Companhia, Record, Objetiva, Globo, Cosac Naify - e duas se constituíram ou deram sua arrancada há pouco tempo - LeYa e Intrínseca. Não só mais jovens, os editores, mais envolvidos do que antes com a escolha dos títulos, precisam estar mais pragmáticos. Num ofício historicamente associado à ideia de arte e artesania, não parece mais possível sobreviver alheio aos números.
O novo perfil de editor-gestor, que substitui o do editor que só atentava para o texto, e o formato de empresa mais diversificada, que não se acanha em abranger obras comerciais, são, em parte, a adaptação da editora de Schwarcz a um mercado que está modificado desde a criação de sua casa editorial, em 1986.
Nos últimos tempos, as vendas de livros têm crescido concentradas em poucos títulos comerciais, os chamados mega-sellers. Não são novidade na praça - o "Harry Potter", da Rocco, é de fins da década de 1990 -, mas agora praticamente dominam as listas de mais vendidos. O sucesso, que se dá em escala mundial, é levantado por estratégias de marketing agressivas.
Com a quantidade maior de títulos, operação com que as grandes ganham em escala, sobra pouco lugar nas vitrines para obras de arte ou não comerciais, os chamados long-sellers ou "fundo de catálogo", obras que, a despeito de sua qualidade e relevância, vendem aos poucos, sem instantânea pirotecnia. A vocação da grande literatura é sobreviver ao tempo. Num balanço de empresa, porém, é um valor dramaticamente não computável.
Costa e Júlia preferem não dizer qual é a nova cara da empresa. A pergunta é difícil e restritiva. "Um título talvez possa simbolizar a atual fase", sugere Costa. Da estante, pega a capa cítrica, o desenho de um imenso bigode. "Toda Poesia", de Paulo Leminski, cultuado poeta curitibano que morreu em 1989, cuja obra, dispersa em vários volumes, estava fora da praça. Saiu com tiragem atípica, alta para o gênero, 5 mil exemplares. Esgotou-se em dois dias. Uma nova tiragem de 5 mil foi encomendada e vendida. Na semana passada, o livro entrou na lista de mais vendidos na Livraria Cultura, rede com público mais intelectualizado, à frente da série pornô soft "50 Tons de Cinza", de E.L. James, publicada pela Intrínseca.
Um mega-seller exige ousadia e velocidade: para identificá-lo, oferecer nos leilões uma soma que os concorrentes não vão se arriscar em pagar, traduzi-lo a tempo e colocar nas livrarias em tiragens altas, indicando para livreiro e público que vale o negócio. Um pouco o "efeito-Tostines": vende mais porque é mais lido ou é mais lido porque vende mais.
Atentas às listas, editoras montadas na virada para a década zero zero especializaram-se, com equipe enxuta e capital de giro, na busca de livros campeões. A pioneira é a Sextante, fundada no Rio pelos irmãos Marcos e Tomás Pereira, em 1998. "O Código Da Vinci", de Dan Brown, inaugurou a sequência de feitos. Entre as mais recentes nesse filão, há a Novo Conceito, de porte menor que a Sextante, criada pelo casal Milla e Fernando Baracchini, de Ribeirão Preto, em 2004. Colocou nas listas romances açucarados como os de Nicholas Sparks -"Querido John" e "Um Homem de Sorte" -, formato que antes só se encontrava nas bancas de jornal.
Ninguém parece simbolizar mais essa nova geração de editores, que percebe o potencial de vendas de uma história, do que Jorge Oakim, da carioca Intrínseca, dono do "blockbuster" "50 Tons de Cinza", da britânica E.L. James. Para vencer o leilão do livro, ofereceu baita soma: US$ 780 mil. Um quarto disso já é considerado alto valor no mercado editorial. Até agora, vendeu 3,1 milhões em menos de um ano, cópias vendidas a R$ 39,90.
O economista com experiência no mercado financeiro começou modestamente sua editora em 2003. Só após quatro anos deslanchou. Seu primeiro best-seller, "A Menina Que Roubava Livros", de Markus Zusak, chegou a 1 milhão de cópias. Depois veio a série romântica de vampiros "Crepúsculo", de Stephenie Meyer, 5,5 milhões. A concorrente Sextante se animou com o desempenho do jovem editor, hoje com 43 anos, e se associou à empreitada, adquirindo 50%. Com a parceria, Oakim continua a cuidar da aquisição, da edição, da produção e do marketing. À Sextante cabem "back office", distribuição e comercial, processos que, para pequenas e até médias editoras, são de execução dificílima: um mega-seller naufraga se uma dessas etapas emperra.
O sucesso não se deve apenas à juventude da empresa e de seu público, mas ao modelo de negócio: "Publicamos poucos e bons livros, o que nos possibilita trabalhar cada título em profundidade, com projeto digital completo, campanha de marketing e de divulgação cuidadosa", respondeu Oakim ao Valor quando adquiriu a obra de Elio Gaspari. Em média, são 30 livros por ano. O mesmo que a Companhia das Letras publica em um mês. Ainda menos do que os 60 lançados mensalmente por um grupo grande como o Record, sediado no Rio. Uma sutileza que não deve passar despercebida: para descrever sua editora, Oakim não usa a palavra "comercial", termo que talvez soe pejorativo. Prefere "entretenimento".
O catálogo é um misto de pop, ação e suspense, obras que saem com tiragens iniciais de 50 mil exemplares - numa editora de qualidade, são comuns títulos de 3 mil a 5 mil exemplares. O movimento de sofisticação da casa, como levar Elio Gaspari - ex-Companhia das Letras, diga-se -, não é isolado. Oakim, que garante só publicar aquilo que leu e de que gostou, passou a garimpar literatura e jornalismo de gabarito, vencedores de Pulitzer como Jeniffer Egan, de "A Visita Cruel do Tempo". Não são títulos para repetir façanhas vendedoras, mas podem render prestígio, com resenhas em cadernos de cultura e mesas em festas literárias, espaços ocupados por editoras de qualidade.
Esse cenário mais competitivo demanda um novo profissional. Não basta só entender de letras, como na tradição editorial brasileira. Tem de entender também de números. Usar a designação "publisher" em vez de "editor" é mais do que se adaptar a um jargão da cultura de língua inglesa. Editor relaciona-se ao conteúdo: lida com o autor e o texto, a produção editorial em suas diversas etapas. O publisher se vincula ao negócio: escolhe, compra e publica, etapas que envolvem ideias, ofertas, pagamentos, campanhas e promoções.
Uma década e meia atrás, "publisher" era a palavra usada na imprensa para definir o estilo de Roberto Feith, hoje com 60 anos, à frente da carioca Objetiva. No seu catálogo, o ecletismo e a atualidade dos títulos garantiam presença constante nas listas: biografias, grandes reportagens, livros com temas prementes do país e do exterior, temperatura alta associada ao jornalismo.
A investida em títulos abertamente comerciais ocorreu a partir de 2005, quando surgiram os selos Suma, de ficção, e Fontanar, de não ficção. "A diversificação da linha editorial, com novos selos voltados para cada gênero, é o novo paradigma", constata Feith, há sete anos parte do grupo espanhol Santillana/Prisa. A razão não é outra: "Dificilmente uma editora poderá manter-se saudável e vigorosa se estiver voltada para um único segmento ou nicho." Entre best-sellers recentes, "Comer, Rezar, Amar", de Elizabeth Gilbert, vendeu no país 500 mil exemplares. Com fôlego financeiro, mantêm-se selos como o Alfaguara, com autores com prestígio entre a crítica.
Não é sem preocupação que Feith acompanha a queda de vendas da boa literatura, clássica ou contemporânea. "A ênfase das redes de livrarias costuma ser no que vende rápido, caso contrário deixa de ser exposto", comenta. O risco é o de a literatura se tornar cada vez mais restrita. "A boa ficção literária ajuda-nos a entender quem somos e o tempo em que vivemos. Isso tem valor."
A avalanche dos comerciais nas listas coincide com o aparecimento de um novo leitor no país, "ingresso no mundo da leitura após o prolongado período de crescimento por que passa a economia", afirma Pascoal Soto, de 47 anos, diretor-editorial da LeYa Brasil, filial do maior grupo editorial português, com escritórios em São Paulo e no Rio. "Antes conhecíamos os leitores pelo RG e CPF, os habituais. Continuam a existir e a aumentar em número, mas não na mesma proporção em que cresce o de não habituais", observa.
A intenção de atender esse público menos afeito a títulos intelectualizados caracteriza a LeYa desde sua chegada ao país, em 2009. Cresceu rapidamente. Desocupou o pequeno escritório da avenida Angélica para se estabelecer numa grande casa do Pacaembu. O ritmo é de média-grande, são já 330 livros publicados, 40 figuraram em listas de mais vendidos. Entre os lançamentos que alcançaram as listas, a série de fantasia "Guerra dos Tronos", de George Martin, os cinco títulos com vendas de 1,4 milhão de exemplares.
Para o bolso do consumidor, o custo do livro se tornou menos pesado. Com a concorrência, que levou à multiplicação das edições pocket, o preço médio caiu 46% de 2004 a 2011, segundo a Fipe. A expectativa agora é que, com as novas tecnologias, se resolvam outros antigos entraves, como o da distribuição num país continental.
O crescimento do digital ainda está em curso e deve trazer novidades ao mercado brasileiro nos próximos anos, comenta Marcos Strecker, diretor-editorial da Globo Livros. A venda de e-book cresce exponencialmente, mas ainda de efeito irrisório no faturamento, segundo as editoras consultadas. "A internet como meio de venda e de divulgação passa a ter um papel cada vez maior, talvez determinante", observa Strecker. Potencial que tem sido explorado: como conta Oakim, da Intrínseca, em blogs e redes sociais identifica autores e enredos do gosto do seu público.
Depois do sucesso de obras como "Ágape", do padre Marcelo Rossi, 6 milhões de cópias em 13 meses, esperava-se que a Globo assumisse uma atuação bastante comercial. Não foi o que ocorreu. A empresa "continuará a ter títulos comerciais muito fortes, mas vai fortalecer seu catálogo de prestígio", esclarece Strecker. No último ano, reorganizou o catálogo em novos selos, como o Biblioteca Azul, que relançou os 17 volumes da "Comédia Humana", de Balzac, clássico entre os clássicos.
O mix qualidade + comercial não é novo. Alfredo Machado, que fundou a Record há 70 anos, costumava dizer que fazia um pouco como Robin Hood: com o dinheiro que faturava com os best-sellers, dava para publicar autores de qualidade desconhecidos ou, sendo conhecidos, de baixas tiragens. Parece ser a receita para toda editora pequena-média que começa a crescer, se quer se tornar grande.
Seu sucessor, o filho Sergio Machado, 64 anos, que divide a direção com a irmã, Sônia Jardim, diz que não há um percentual fixo - x% comercial, x% de qualidade - para alcançar o equilíbrio num catálogo. "É um pouco como receita de bolo: cada vez que você faz, altera um pouco algum dos ingredientes, livros de risco e livro de retorno certo." Em quatro décadas, diz que já viu um pouco de tudo, desde editoras de qualidade se abrindo para ter selos comerciais quanto o contrário, editoras de autoajuda investindo em autores de prestigio para diminuir a volatilidade. Não se deve esquecer, como lembra, que muitas vezes o de qualidade vende bastante bem, como Umberto Eco. "O que não se pode, mesmo, é ficar apenas num nicho, seja qual for."
A Record também passou por uma reestruturação em seu corpo editorial. Luciana Vilas-Boas, diretora editorial por 17 anos da Record e um dos nomes mais importantes no mercado, saiu no começo do ano passado. O cargo foi abolido, quatro pessoas repartem a função.
Esse processe de rejuvenescimento nas equipes ocorre em meio à descoberta, depois do boom "Harry Potter", do chamado "leitor jovem adulto, faixa que vai até os 30 anos, que é antenado e está nas mídias sociais". Jovens editores em tese teriam mais convivência com esse público-alvo. Machado diz que as mudanças no mercado - os mega-sellers, os "players" internacionais - não alteraram a liquidez do grupo, que reúne seis editoras incorporadas ao longo de sua história, como a José Olympio, a Civilização Brasileira e, há poucos meses, a Paz e Terra. Ocupar a lista de mais vendidos às vezes significa pouco em relação ao balanço financeiro. Não há, por ora, a expectativa de a empresa, 100% nacional, vir a ter participação estrangeira. Não é, porém, hipótese que descarta.
Editoras de prestígio tentam recuperar parte do espaço tomado pelas abertamente comerciais. Essas, por sua vez, tentam adquirir um pouco da sofisticação das primeiras. Bons nichos podem ficar a descoberto - publishers que não querem perseguir best-sellers apostam nisso. "Sem dúvida vamos tentar fazer as coisas legais que as editoras de qualidade não vão mais conseguir", anima-se Florencia Ferrari, de 36 anos, diretora-editorial da Cosac Naify há quase um ano. O maior desafio da casa editorial paulistana, conhecida pelos livros de arte e humanidades de acabamento luxuoso, não é a concorrência, mas, sim, tornar os projetos financeiramente cabíveis. Em seus 15 anos, fez fama de vender livros caros e viver no vermelho, sobrevivência ajudada com aportes dos sócios, Charles Cosac e Michael Naify.
O símbolo da virada da Cosac é a "Coleção Portátil", de bolso e mais barata, com 20 títulos que incluem de Dostoiévski a Cacaso. Com design à Cosac Naify: um grande planejamento, coordenado entre as várias equipes, do editorial à produção, permitiu, por exemplo, o uso de papel importado, mais caro. O gasto foi compensado com economia feita na gráfica, rodando 20 títulos ao mesmo tempo. Uma gestão somente pragmática não combinaria com a filosofia da empresa, como reconhece Florencia: "Queremos ter projetos sustentáveis mantendo a nossa identidade". Fecharam o ano fiscal de 2012 no azul. "Se conseguirmos provar que uma editora assim pode funcionar, e se for um exemplo para que surjam outras editoras como a nossa, o Brasil vai ganhar", diz. A aposta é que, "assim como há cada vez mais consumidores exigentes, haverá cada vez mais leitores exigentes".
A literatura brasileira, na atual fase de novos autores com atenção na mídia, entusiasma a Cosac Naify. As tiragens são pequenas, se comparadas às de títulos comerciais - ainda mais se comparadas às dos mega-sellers -, mas editores ouvidos pelo Valor dizem que o autor nacional de qualidade tende a vender mais que seu colega estrangeiro de igual talento, porém desconhecido no país. O motivo para apostar nessas novas vozes não é só financeiro, como explica a diretora-editorial Florencia: "O autor brasileiro 'dá vida' a uma editora fincada em obras de referência como a nossa". A esse nicho se dedicam não só grandes-médias, também as editoras de porte menor, como a 34 e a Iluminuras, de São Paulo, que publicam autores que arrebatam júris especializados. A investida vai contar com gente que está há tempos no ramo. Como em qualquer campo, artilheiros são levados de um time a outro. Heloisa Jahn e Marta Garcia, com décadas de Companhia das Letras, agora são do time da Cosac Naify.
O caminho até o cargo de publisher requer virtudes reconhecíveis pelos pares. É o caso de Luiz Schwarcz e Otávio Marques da Costa, da Companhia das Letras: quem convive nota a semelhança de perfil. Caxias. "Otávio é como meu pai era na idade dele", imagina Júlia. "Tirei uma foto dos dois parados na rua, de lado, iguaizinhos", acrescenta, entre risos. Costa repara: "Mas ele diz que é muito mais bonito".
A filha tentou evitar seguir o mesmo caminho. Receava que a decisão se devesse apenas à influência da família. Cresceu ajudando o pai a escolher capas, acompanhava-o nas visitas às livrarias nos fins de semana, quando ia à paisana saber se os livros da editora estavam vendendo bem. Via a mãe, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, também editora, anotar à caneta os originais que levava para ler em casa. Por fim estudou história e entrou como estagiária na empresa. Está lá há 12 anos. Parte da formação se deu como editora do selo infantil, período em que teve duas filhas, hoje com 6 e 4 anos, experiência que ampliou sua visão do público-alvo.
A carreira é chamada de "editoração" nas poucas universidades nacionais em que o curso é oferecido. Na Fundação Getúlio Vargas (FGV), é recente a pós-graduação de gestão editorial. Na tradição de arte e ofício, costuma passar de pai para filho. Além dos laços familiares citados até aqui, lembre-se que Marcos e Tomás Pereira, da Sextante, parceiros de Jorge Oakim, são netos de José Olympio, outro dos principais nomes da história editorial brasileira.
Editores-fundadores também elegem discípulos mesmo sem grau de parentesco. Os talentos são recrutados em áreas como letras, história, ciências sociais, filosofia e jornalismo. Começam cedo, em funções de assistente - a dupla de publishers e a equipe de oito editores da Companhia das Letras foram em maioria formados por Schwarcz e a diretora-editorial por décadas, Maria Emília Bender.
Florencia Ferrari concluía um mestrado em antropologia - é Ph.D. na área - quando se tornou, em 2002, ajudante de Augusto Massi, na época diretor-presidente da Cosac Naify. Seu crescimento na empresa se deu ao mesmo tempo em que a editora se desenvolvia. Não é apenas uma intelectual de sólida formação. A capacidade de gestão é elogiada desde a época de assistente. No caratê, chegou à faixa preta, esporte temporariamente interrompido - está grávida da segunda filha.
Pascoal Soto, da LeYa, tinha pouco mais de 20 anos em 1987 ao ingressar na Editora Moderna como ajudante de armazéns gerais: carregava e descarregava caminhões de livros e papéis. Passaria por quase todas as áreas nos 15 anos seguintes até chegar ao editorial. Foi editor-sênior na Salamandra, comprada pela Moderna, e na Planeta, quando a Moderna passou a integrar o grupo Prisa/Santillana. Entre seus mestres, cita Ricardo Feltre, ex-dono da Moderna, "empresário exemplar, construiu a Moderna à base de sacrifício e paixão pelo livro". Depois, Ricardo Arissa Feltre, "filho que herdou todas as qualidades do pai". A tradição perpassa até trajetórias que parecem não estar relacionadas.
Quando não são talentos nascidos nas casas editoriais, editores e publishers migram do jornalismo. Marcos Strecker, da Globo Livros, fez longa carreira em jornal impresso. Não é um neófito em gestão. Antes, administrou a própria empresa, da área de comunicação, e concluiu um MBA pela FGV. O cinema é uma de suas grandes paixões: publicou livros na área e fez um filme sobre a mãe de Thomas Mann, que era brasileira.
Roberto Feith, da Objetiva, vem de uma família de empresários e foi correspondente internacional da Rede Globo - na internet, entre outros, é possível ver a cobertura que fez da invasão soviética do Afeganistão, em 1979. O catálogo em que ressoa o jornalismo se explica. Como ressalta, "diversas das aptidões que fazem um bom repórter se aplicam ao editor". No jornalismo foi buscar editores seus, como Arthur Dapiève, que cuida do selo Objetiva nacional, e Marcelo Ferroni, do Alfaguara. Enumera essas aptidões: "A percepção dos assuntos que interessam ao leitor, uma sensibilidade sobre como abordá-los, saber o que configura um texto bem escrito, a capacidade de trabalhar em equipe; enfim, não é coincidência que tantos profissionais já fizeram a transição da imprensa para as editoras ou vice-versa".
Os requisitos básicos, as virtudes de fundo, continuam iguais. "Ser um bom leitor, ter um bom texto e um bom repertório", diz Florencia, da Cosac. De diferente, há a necessidade de ver o livro num "contexto comercial e estratégico", afirma Strecker, da Globo. Com as novas exigências do mercado editorial, Soto, da LeYa, diz acreditar que será cada vez mais receptivo aos profissionais de marketing. Não vê, no entanto, uma substituição completa do editor pelo gestor. "Há os que entendem muito de finanças e gestão e há os que entendem muito de livros. Ter um grande gestor à frente de uma editora não é garantia de sucesso no mercado editorial. Entretanto, sem um bom editor não há gestor que faça milagre." Apesar dos números, prevalecem as letras.


sábado, 10 de novembro de 2012

Saiu na mídia #11: Mapa global dos mercados editoriais 2012

Compartilhando post de Arantxa Mellado. 

Aqui o documento original da International Publishers Association


Mapa Global de los Mercados Editoriales 2012

Por Arantxa Mellado
Recientemente se ha hecho público el Mapa Global de Mercados Editoriales, la primera representación visual de la edición y sus números en el mundo, un mapa que representa los mercados editoriales locales según el valor de mercado a precio de consumo.
Como se ve, para España se calculan 1890 millones de euros como el total de ingresos netos de lo editores por año, lo que la situa en sexta posición en el ranking mundial (a falta de conocer estos datos para Japón y China).
En cuanto al valor de mercado a precios al consumidor, el valor del mercado español se estima en 2890 millones de euros, lo que situa al país como octavo de la lista, por debajo de Gran Bretaña, Alemania, Francia e Italia.
Sin embargo, España está en el segundo puesto en cuanto a cantidad de nuevos títulos y reediciones anuales por millón de lectores y año, lo que -en comparación con los datos anteriores- viene a demostrar que se publica mucho para lo poco que se compra.

Metodología de creación del Mapa Global de Mercados Editoriales
El primer paso fue recopilar todos los datos de las mejores fuentes disponibles y de la forma más realista posible, para iniciar una base de datos que registren tres indicadores principales: en primer lugar, las ventas netas totales de los editores en un mercado; en segundo lugar, el valor del mercado a precios al consumidor, y el tercero, el número de lanzamiento de nuevos títulos y reediciones. Los datos se basaron principalmente en las aportaciones de las asociaciones nacionales de editores y organizaciones relacionadas. Para la mayoría de los países, estaban disponibles sólo las ventas editoriales o el valor de mercado, cuando lo estaban. Los lanzamientos de nuevos títulos y reediciones funcionaron como datos en un primer contexto. Estos primeros resultados se verificaron en cuanto a errores y verosimilitud a través de un pre-lanzamiento en 2011 y principios de 2012.
El segundo paso fue pedir a los profesionales de la industria -en particular a los editores, los organizadores de Ferias del Libro y a los intermediarios locales- su evaluación crítica de los resultados iniciales. Un segundo cuerpo de datos, principalmente las estadísticas de exportación de los mercados exportadores más grandes (Reino Unido, EE.UU., Francia y España), se añadió como punto de referencia. Estos datos se utilizan para arrojar algo de luz sobre las zonas que tenían poca o incluso ninguna estadística del mercado editorial.
El tercer paso fue explorar el contexto de la edición, pues se observó que los mercados editoriales reflejan parámetros socioeconómicos de un país y pueden correlacionarse de manera significativa con el tamaño de la población y el PIB per cápita. Esto nos ha permitido desarrollar un primer (y todavía experimental) algoritmo para estimar sistemáticamente el tamaño de los mercados editoriales para los que no hay datos empíricos disponibles. Estas estimaciones fueron cruzadas con los números respectivos de los países con datos fiables y con las evaluaciones realizadas por expertos locales.
La investigación inicial se inició en 2011 por la Asociación Internacional de Editores (IPA), con fondos adicionales de la Feria del Libro de Londres y Book Expo America. La metodología y la investigación han sido desarrolladas y ejecutadas por Rüdiger Wischenbart Content and Consulting.

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Saiu na mídia #10 A Amazon vai comprar a maior rede de livrarias do Brasil?

Compartilhando o artigo de Carlo Carrenho


A Amazon vai comprar a maior rede de livrarias do Brasil?

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[Artigo originalmente publicado em inglês na Publishing Perspectives]
Livrarias raramente causam rebuliço na Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo. Afinal, só uma rede de livrarias, a Saraiva SA Livreiros Editores (SLED4) – a maior do Brasil – é negociada por lá. Portanto o que aconteceu na última quarta-feira na Bolsa, poucos minutos antes do fechamento do pregão, foi realmente algo extraordinário e, talvez, simbólico das novas águas que a indústria editorial tem navegado ultimamente. O fato é que quando aBloomberg noticiou que a Amazon estava negociando a compra da Saraiva, as ações da livraria subiram até R$ 28, o valor mais alto alcançado nos últimos 12 meses, representando uma alta de 7,28% no dia – dos quais 7% aconteceram nos minutos finais do pregão. 
Outro varejista ligado ao mercado de livros e listado na Bovespa, a B2W (BTOW3), conhecido também como Submarino, não teve tanta sorte. Antes visto como um potencial alvo de aquisição da Amazon, suas ações caíram 4,34%, chegando a R$ 11,47. No dia seguinte, as ações da B2W caíram mais 8,54% até R$ 10,49, enquanto as ações da Saraiva permaneceram estáveis, caindo meros 0,36% para R$ 27,90.

A Amazon poderia chegar ao Brasil em novembro
Rumores sobre a atividade da Amazon no Brasil já circulam há anos, com cada vez mais intensidade. O fato é que não se pode mais chamá-los de rumores. Ainda não se sabe se vai acontecer com ou sem a compra da Saraiva, mas a fonte anônima da Bloomberg parece estar correta. Na semana passada, o jornalista brasileiro Lauro Jardim publicou no Radar On-Line que a Amazon decidiu que a data de lançamento no Brasil será em novembro. Todo mundo sabe, no entanto, que a Amazon raramente usa o tempo futuro em seus comunicados, portanto isso só pode ser visto como especulação, apesar de ser uma especulação bastante plausível.
E por quê? Duas razões. Primeiro, as negociações com a DLD (Distribuidora de Livros Digitais) estão perto de serem finalizadas. A DLD é um consórcio de sete grandes editoras brasileiras que controla ao redor de 35% da lista de best-sellers no país. Elas sempre negociam em conjunto e estão fazendo assim com a Amazon. E são, de longe, o maior desafio para os executivos de Seattle, já que estas editoras estão agressivamente exigindo condições comerciais favoráveis e o controle final sobre os preços. Limitar os agressivos descontos da Amazon são uma condição sine qua non para este grupo de sete empresas. No entanto, fontes no mercado já deixaram claro que um acordo com a DLD está muito perto e deve  acontecer antes do fim do ano. Além disso, de acordo com o noticiário local, a Amazon já conseguiu um acordo com a Xeriph, a principal agregadora de e-books, para distribuir pelo menos uma parte de seu catálogo digital. Então, é fato que a Amazon ou já tem ou está a ponto de ter conteúdo suficiente para abrir sua loja de e-books brasileira. Portanto, um lançamento em novembro não parece algo muito absurdo.

E os leitores digitais?
Se a Amazon chegar realmente, será que conseguirá disponibilizar Kindles no Brasil em tão pouco tempo? Bem, depende do que significa “disponibilizar no Brasil”. Se significa ter Kindles estocados localmente ou vendido em lojas físicas, a resposta é provavelmente “não”. A menos que os aparelhos já tenham chegado ao Brasil ou pelo menos já tenham sido despachados, é difícil imaginar que todo o processo de importação possa levar apenas poucas semanas, incluindo a liberação alfândegária. No entanto, se “disponibilizar no Brasil” significa que os brasileiros podem comprar Kindles online diretamente dos EUA e recebe-los em suas casas, então isto isso já é uma realidade operacional.
 Por uns US$ 216 (o preço do Kindle e-ink da geração anterior mais barata) entregue em um endereço brasileiro, com os impostos incluídos, a Amazon possui o e-reader dedicado mais barato do Brasil. Agora, imaginem se a Amazon der um desconto especial ou oferecer entrega expressa gratuita a clientes brasileiros. Nesse caso, não seria necessário um grande processo de importação. Esta é a segunda razão que torna plausível uma especulação de que a Amazon vai abrir no Brasil antes do final do ano. Quanto aos preços competitivos dos Kindles, não podemos esquecer que a Kobo e a Livraria Cultura prometeram disponibilizar seus e-readers antes de dezembro. Podemos então esperar algo como uma guerra de preço na disputa pelos clientes na época do Natal.

Mas a Amazon realmente vai comprar a Saraiva?
Não vamos esquecer o outro cenário: os rumores da aquisição da Saraiva. Se isto for verdade, as coisas poderiam acontecer de forma diferente, talvez com maior rapidez. Para entender melhor esta possibilidade, no entanto, devemos conhecer um pouco mais sobre a maior rede de livrarias brasileira.
A Saraiva foi fundada em 1914 por um imigrante português como uma livraria de livros usados especializada em Direito. Três anos depois, começou a publicar livros. Hoje, quase 100 anos e várias aquisições depois, o grupo Saraiva inclui a maior rede brasileira de livrarias e uma das editoras mais importantes do país, forte na área de didáticos – onde se beneficia das enormes compras governamentais – e na área de Direito. Outras áreas de atuação incluem mercado geral, infantis, negócios e outros setores Acadêmicos. No lado do varejo, a Saraiva possui 102 lojas, das quais 47 são megastores. Em 2008, o grupo adquiriu a Siciliano, a segunda maior rede de livrarias brasileira, e se consolidou como a maior livraria no país (para comparar, imagine a Barnes & Noble comprando a Borders, se esta ainda existisse).
De acordo com a Bloomberg, o capital da Saraiva é de US$ 355 milhões, e o grupo Saraiva foi uma das três editoras brasileiras a entrar na lista anual das maiores empresas editoriais do mundo compilada pelo consultor editorial austríaco, Rüdiger Wischenbart.
Todo o mercado editorial brasileiro está avaliado em US$ 6,7 bilhões, de acordo com o último Global Ranking of the Publishing Industries. Para dar uma idéia do poder da Saraiva, a empresa teve uma receita total de R$ 1,889 bilhões em 2011 – apesar de que mais de um terço de suas vendas venham de outros itens e não de livros. E este número continua crescendo: a empresa teve um crescimento de 20,7% em 2011 em relação a 2010, com ganhos (Ebitda) de R$ 172,6 milhões ou 9,1% de receita. Na primeira metade de 2012, a receita foi de R$ 889 milhões, um crescimento de 8,9% sobre o mesmo período de 2011. Os lucros também cresceram de R$ 65,6 milhões para R$ 79,29 milhões na primeira metade de 2012, com uma margem de 8,9%. As livrarias Saraiva, no entanto, não vendem apenas livros, mas também CDs, DVDs, computadores, aparelhos eletrônicos e suprimentos para escritório. O site deles, lançado em 1998, vende uma seleção ainda maior de itens, de bicicletas a geladeiras. Em 2011, R$ 810,3 milhões de vendas vieram de produtos que não eram livros, correspondendo a 56,2% da receita da rede.
Os números são ainda mais interessantes quando se compara o desempenho da rede de livrarias da Saraiva ao da editora Saraiva. Em 2011, só 23,7% da receita do grupo veio da editora, um valor de R$ 447,1 milhões. No mesmo ano, no entanto, os ganhos (Ebitda) do negócio editorial forma de R$ 96,7 milhões e corresponderam a 55% dos ganhos de todo o grupo. Isso foi possível porque a margem de lucro das livrarias Saraiva foi de apenas 5,4% no ano passado, enquanto que a margem da editora chegou a 19,3%. Também é importante lembrar que 35,9% ou R$ 517,3 milhões da receita de varejo eram provenientes do e-commerce.
A análise destes números é crucial para se entender os possíveis caminhos que uma aquisição da Saraiva pela Amazon poderia tomar. Há basicamente três opções:
1) A Amazon adquire todo o grupo SaraivaEsta é certamente a opção menos favorável, pois a Saraiva provavelmente não venderia sua unidade editorial, que é a parte mais lucrativa do negócio. A Amazon, por outro lado, provavelmente pensaria duas vezes antes de se tornar concorrente de outras editoras no Brasil antes mesmo de abrir sua própria loja local. Não faria sentido estratégico entrar no negócio editorial antes de começar sua atividade livreira em um novo mercado.
2) A Amazon adquire a divisão de vendas de livros da SaraivaEste poderia ser o cenário dos sonhos para a Saraiva, já que venderia sua divisão menos lucrativa e manteria seu negócio com melhores resultados. A editoria e a livraria Saraiva já estão separadas em duas entidades legais diferentes, facilitando o processo de uma possível venda parcial. Claro que neste caso alguma sinergia se perderia, mas nada que um bom contrato com obrigações futuras não possa superar. E as margens de lucro são tão diferentes entre os dois negócios que tais sinergias não seriam suficientes para evitar um acordo. Do lado da Amazon, no entanto, não parece fazer muito sentido comprar 102 livrarias. Seria a primeira vez que a gigante de Seattle teria lojas físicas. É difícil imaginar que a Amazon mudaria sua estratégia global só para entrar no mercado brasileiro. Sim, o Brasil é o país da vez, mas o mundo é um lugar muito grande e é possível imaginar a Amazon em mercados como Escandinávia, Europa Oriental, Rússia ou África do Sul antes de imaginá-la repensando sua raison d’être ou vendendo sua alma ao demônio das lojas físicas.
3) A Amazon adquire somente a loja online da SaraivaO site da Saraiva é responsável por 27,4% das receitas da Saraiva. Se a Amazon pudesse adquirir somente o negócio online, isto rapidamente abriria caminho no mercado e permitiria que ela superasse vários obstáculos sem precisar se envolver com a administração de lojas físicas. No entanto, isso não faria sentido para a Saraiva. O que seria de uma rede de livrarias sem um site no mundo de hoje? É difícil imaginar a Saraiva cometendo o mesmo erro que a Borders cometeu, deixando sua presença na web brasileira desaparecer ao vender, se associar ou fazer uma joint venture com uma empresa de e-commerce como a Amazon.
Se uma negociação entre os dois grupos realmente existe, faz sentido acreditar que ela acontece em torno das opções 2 ou 3. Uma decisão entre uma dessas opções favorece ou Amazon ou a Saraiva, dependendo de qual for a direção tomada, mas a inclusão ou não das 102 lojas físicas deve ser o ponto nevrálgico da negociação.

Brasileiros, cuidado
Qualquer que seja o modelo adotado, no entanto, uma possível aquisição da Saraiva pela Amazon não é razão para que as editoras brasileiras comemorem. Se a Amazon comprar a Saraiva, a Submarino afunda, provavelmente deixando o mercado de livros – isto se não sair do mercado de vez no médio prazo – já que aquisição fortaleceria mais ainda a posição já forte da Saraiva no mercado. O resultado final seria, ironicamente, menos competição, mais consolidação e um mercado mais difícil para as editoras.
Mais cedo ou mais tarde, a Amazon fará um comunicado. E será escrito com os verbos no passado. Até lá, tudo que podemos fazer é esperar pelo próximo capítulo da novela “A chegada da Amazon no Brasil”, enquanto day traders ganham algum dinheiro com toda a confusão.
(Tradução: Marcelo Barbão)

sexta-feira, 8 de junho de 2012

Concentração no mercado editorial brasileiro


A economia de um país é formada por cadeias produtivas. As cadeias são constituídas por setores. No caso do livro, os setores são os seguintes: autoral, editorial, gráfico, produtor de papel, produtor de máquinas gráficas, distribuidor, atacadista, livreiro, bibliotecário. A interface entre firmas/empresas de pelo menos dois desses setores forma um mercado. O senso comum para mercado do livro é constituído pelos setores editorial e livreiro, intermediado ou não pelo setor distribuidor.

Característica importante deste mercado é a falta de dados atualizados e com elevado grau de confiabilidade sobre produção, venda e consumo do livro. Desde 1991 a CBL (Câmara Brasileira do Livro) e o SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) patrocinam a pesquisa Produção e Vendas do Setor Editorial Brasileiro. A partir de 2007 a FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) da USP foi contratada e é a responsável pela pesquisa.

Entre novembro de 2010 e abril de 2011 a FIPE realizou a pesquisa O Censo do Livro (dados referentes a 2009). Seguem alguns números: existem no Brasil 498 editoras. A definição de editora é a da UNESCO: edição de pelo menos 5 títulos no ano e produção de 5 mil exemplares.

Com relação ao faturamento anual, temos a seguinte divisão:
231 editoras com faturamento anual até R$ 1 milhão (46,39%);
189 editoras com faturamento anual entre R$ 1 milhão e R$ 10 milhões (37,95%);
62 editoras com faturamento anual entre R$ 10 milhões e R$ 50 milhões (12,45%);
16 editoras com faturamento anual acima de R$ 50 milhões (3,21%).

Portanto, são essas editoras que disputam o mercado editorial brasileiro, que vem crescendo a cada ano. Em 2009, o valor total recebido pelas editoras foi de 4,16 bilhões de reais e, em 2010, aumentou para 4,50 bilhões de reais. Crescimento de 8,12%. Uma das explicações visíveis para este crescimento é que o valor médio recebido pelas editoras vem caindo desde 2004. O acumulado está em 34%. O valor médio recebido em 2009 foi de R$ 13,61 e em 2010 foi de R$ 12,94. Portanto, chega-se a um preço de capa médio de R$ 27,22 e R$ 25,88 respectivamente. O livro está com o preço ao consumidor, ao leitor, mais baixo a cada ano.

Esse faturamento tem origem nas vendas para mercado e nas vendas para governo.
Mercado em 2009: 3,25 bilhões de reais (78%);
Mercado em 2010: 3,34 bilhões de reais (74,31%). Crescimento de 2,99%.
Governo em 2009: 916 milhões de reais (22%);
Governo em 2010: 1,15 bilhões de reais (25,69%). Crescimento de 26,32%.

Mas, o que representa o mercado do livro na economia do país? Os números do PIB são a melhor comparação. O PIB brasileiro em 2009 foi de 3,143 trilhões de reais. Como o mercado do livro foi de 4,16 bilhões de reais, este nosso mercado representou 0,13% do PIB. Para 2010 os números foram: PIB 3,675 trilhões de reais. Mercado do livro de 4,50 bilhões de reais, o que representou 0,12% do PIB.
Outro dado interessante é a relação livro/habitante. A população do Brasil em 2010 era de 190.755.799 habitantes. Nesse mesmo ano foram vendidos, somente para mercado, 258.697.092 exemplares. Portanto, tem-se a média de 1,36 livro comprado por habitante. Há muito para crescer.

A metodologia da pesquisa divide o mercado em quatro grandes segmentos:
Didáticos
Obras Gerais
Religiosos
CTP – científicos, técnicos e profissionais
Considerando o faturamento total (mercado + governo), temos os seguintes dados:
Segmento
2009 fat R$
2010 fat R$
2009 exs
2010 exs
Didáticos
43,09%
46,65%
45,35%
46,27%
Obras Gerais
29,93%
25,92%
31,74%
30,88%
Religiosos
9,66%
11,02%
16,31%
16,92%
CTP
17,32%
16,41%
6,59%
5,93%

Outra característica do mercado é com relação ao número de lançamentos anuais, isto é, títulos em 1ª edição. Em 2009 foram 17.183 títulos e, em 2010, 18.712 títulos. Crescimento de 8,90%.
O ano tem 365 dias; excluindo-se 104 dias (sáb e dom) e 12 dias de feriados nacionais, sobram 249 dias. Se dividirmos o número de lançamentos por esses 249 dias temos a média de 69 novos títulos/dia em 2009, que aumenta para 75 novos títulos/dia em 2010. Livros demais?

Toda essa produção é comercializada através dos seguintes canais, cuja representatividade é:
Ano 2009
Canal de comercialização
Ano 2010
42,44%
Livrarias físicas + seu braço e-commerce
40,51%
23,78%
Distribuidores
22,55%
16,64%
Porta-a-porta
21,66%



82,86%
Sub-total
84,72%






2,91%
Supermercado
1,47%
2,32%
Igrejas e templos
1,26%
1,68%
Escolas e colégios
1,43%
1,41%
Editoras direto por e-commerce
1,54%
8,82%
outros
9,58%

O mercado do livro também acompanha uma das características da economia mundial: a concentração por meio de aquisições, fusões e joint-ventures. No Brasil começou pelas editoras, tanto nacionais quanto estrangeiras. (Não tenho como garantir que o levantamento abaixo é 100% preciso, mas é próximo disso. A quem tiver mais informações, agradeço que possam compartilhar).

A Guanabara Koogan (criada em 1932) começou as compras:
1994 a LTC (criada em 1968)
2007 a Forense (criada em 1904)
2007 a Método (criada em 1996)
2008 a Santos (criada em 1981)
2010 a Forense Universitária (criada em 1973)
2011 a EPU (criada em 1952)
2011 a Roca
2011 a AC Farmacêutica (criada em 2005)
Todas essas editoras estão sob a holding GEN – Grupo Editorial Nacional criado em 2007.

A Record (criada em 1942) também foi às compras e fez as seguintes:
1997 a Bertrand Brasil
1997 a Civilização Brasileira
1997 a Difel
2001 a José Olympio
2004 a Best-Seller
2005 joint-venture com a canadense Harlequim Books
2010 a Verus

A Saraiva comprou:
1998 a Atual
2000 a Renascer
2001 a Solução
2003 a Formato
2008 a ARX
2008 a ARX Jovem
2008 a Futura
2008 a Caramelo

A Ediouro comprou:
2002 a Agir
2004 a Relume-Dumará
2005 e 2007 a Nova Fronteira
2006 parceria com a Thomas Nelson
2007 a Nova Aguilar
2008 a Desiderata

A Sextante comprou:
2007 a Intrínseca (50%)

A Artmed comprou:
2009 a McGrae-Hill Education no Brasil

A IBEP/Companhia Editora Nacional comprou:
2010 a Conrad

Com relação às editoras estrangeiras, temos a seguinte cronologia:
Em 1976 a Elsevier (Holanda) entra no mercado nacional em parceria com a Campus. Suas compras foram as seguintes:
2002 a Alegro
2002 a Negócio
2005 a Impetus

Grupo Pearson (Inglaterra) entrou no mercado em 1996 e comprou a Makron Books no ano 2000.

Grupo Vivendi (França), em parceria com o grupo Abril comprou a Ática e a Scipione em 1999. Saiu do Brasil em 2004 e a Abril comprou a sua parte.

Grupo Prisa-Santillana (Espanha) entrou no mercado em 2001 com a compra da Moderna e da Salamandra. Em 2005 comprou 75% da Objetiva.

A Larousse (França) chegou em 2003 e, em 2007, comprou a Escala.

Grupo Planeta (Espanha) chegou em 2003. Em 2006 comprou a Academia da Inteligência.

Edições SM (Espanha) chegou em 2004.

Almedina (Portugal) chegou em 2005.

Penguin Books (USA) em 2005 fez uma joint-venture com a Companhia das Letras e, em 2011, comprou 45% do capital dessa editora.

Grupo Leya (Portugal) chegou em 2009. Em 2010 fez uma parceria com a Barba Negra. Em 2011 comprou a Casa da Palavra.

Thomson Reuters (USA) em 2010 comprou a editora Revista dos Tribunais.

Babel (Portugal) chegou em 2011.


A outra ponta da concentração está no setor livreiro. O marco divisório aconteceu em 2008 quando a Saraiva comprou o grupo Siciliano. Atualmente as principais redes de livrarias, com foco em obras gerais, são:
100 lojas, a Saraiva. Base São Paulo. Dessas, 46 são megastores. As outras 54 lojas (54%) representam apenas 14% de seu faturamento anual;
32 lojas, a Leitura. Base Minas Gerais;
20 lojas, a Livrarias Curitiba. Base Paraná;
13 lojas, a Cultura. Base São Paulo (abrirá mais 4 lojas ainda em 2012);
11 lojas, a Fnac. Base São Paulo;
7 lojas, a Travessa. Base Rio de Janeiro;
6 lojas, a Livraria da Vila. Base São Paulo (abrirá duas lojas em 2012 e mais 2 em 2013).

Esta concentração nas livrarias de rede também é facilitada pela migração do comércio em geral para os shoppings que, como têm um custo elevado para a manutenção de uma loja, viram uma barreira de acesso para as livrarias como menor capital. No ano 2000 o Brasil tinha 280 shoppings. Fechou 2011 com 430 shoppings (+ 53,57%). Em 2012 serão mais 43 e, por enquanto, estão previstos mais 31 para 2013. Para se ter uma ideia da força deste novo local de consumo, de compras, circulam nos shoppings 376 milhões de pessoas por mês. A população do Brasil é de 191 milhões de pessoas. Impressiona, não?

Não existe uma pesquisa confiável com relação ao número de livrarias existentes no Brasil. A ANL – Associação Nacional de Livrarias fez em 2009 um primeiro levantamento através de questionários enviados a diversos pontos de venda de livros, e chegou ao número de 2.980 “livrarias”. Livraria para a ANL é “uma empresa que oferece um bom acervo de livros em seu mix de produtos para venda.” Portanto, essa definição é muito vaga em relação ao censo comum de livraria. Talvez fosse melhor usar como parâmetro o número de exemplares no acervo de cada “livraria”. Por exemplo, acervo mínimo de 10% da produção anual de novos títulos em 1ª edição, o que, em relação à produção das editoras em 2010, seria de 1.871 exemplares por loja.

No levantamento de 2011 da ANL o número de livrarias chegou a 3.481. Como o país tem 5.564 municípios, além do Distrito Federal, teríamos a média de 0,63 livrarias por município. É claro que a distribuição dessas livrarias pelo território brasileiro acompanha a economia e a escolaridade de cada região geográfica. Os dados são os seguintes:
52,54% das livrarias na região Sudeste;
21,00% das livrarias na região Sul;
16,83% das livrarias na região Nordeste;
6,18% das livrarias na região Centro-Oeste;
3,45% das livrarias na região Norte;

A concentração nos diversos setores da economia do livro avança e fica maior a cada ano. Onde os livros serão vendidos em 2015?

domingo, 3 de junho de 2012

Amazon também no e-commerce físico no Brasil


Já está mais do que divulgado que a Amazon vai começar sua operação no Brasil ainda em 2012. O que não está claro é qual o tipo de operação: se somente o digital e/ou o e-commerce com produtos físicos também. Imagino que em novembro, no máximo, a operação começará com os livros digitais. O início da Amazon em 1995 foi com livros, mas os físicos.

Sou dos que acreditam que não teria nenhum sentido, econômico inclusive, a maior empresa de e-commerce do mundo, não trabalhar com todo seu mix de produtos no Brasil. O grande obstáculo para o início da operação com os produtos físicos é, claramente, a dificuldade logística da operação, isto é, como manter o padrão de entrega Amazon também no Brasil?

Ao longo dos últimos 11 anos a Rapidão Cometa Logística e Transportes S.A. foi representante autorizada da Fedex Express América Latina e Caribe. A Rapidão Cometa tem 70 anos de existência e sede em Recife. Atende todo o território brasileiro seja via filiais ou pontos de operação. Seguem alguns dados:
-45 filiais em 20 estados e DF;
-202 pontos de operação em todos os estados e DF, além de Fernando de Noronha;
-700 mil m2 de área construída e pátio de operações;
-3 mil veículos compõem a frota entre motocicletas e veículos utilitários leves e médios, além dos semipesados e pesados (as carretas);
-transporta containers, carga fracionada e pequenas encomendas tanto no aéreo quanto no rodoviário;
-Rapidão B2C é o serviço específico e diferenciado dentro da empresa para entregas domiciliares de pequenas encomendas ao consumidor final. Faz também a logística reversa, para os casos de troca;
-tem 9 mil funcionários;
-faz 12 milhões de entregas por ano.

Dia 29 de maio de 2012 saiu um comunicado informando a aquisição da Rapidão Cometa pela Fedex. As perguntas a serem respondidas são:
1-O que acontece/acontecerá no cenário econômico de varejo e/ou industrial que leva uma empresa de logística (a Fedex) a investir alguns milhões de dólares na aquisição de uma empresa representante?
2-Por que não continuar com a representação vigente há 11 anos?
3-Por que a necessidade de ter o controle total da operação nas mãos e não via uma representante?

Para essas perguntas vejo uma única resposta: a Amazon. Acredito que em 2013 a Amazon entrará no e-commerce brasileiro com tudo, com todo o seu mix de produtos. A Amazon é uma empresa de e-commerce. E-commerce só funciona se existir logística. Portanto, a infra-estrutura de logística já está sendo executada, preparada. Empresas, de todos os tipos, livrarias inclusive, preparem-se para a concorrência que vai chegar.

De como chegamos a este estado de coisas

  Em 11 de janeiro de 2020 foi registrada, na China, a primeira morte por Covid-19. A população mundial hoje está na ordem dos 7,8 bilhõ...