De 56 milhões de ações que tinha no fim de 2015, passou para
apenas 1 milhão e 400 mil em fevereiro de 2017.
Mas o que isto tem a ver com o mercado do livro?
Tudo!
A estratégia de Buffett segue a realidade nos USA. No
primeiro trimestre de 2017 foram fechadas 2.880 lojas físicas, contra 1.153 no
mesmo período em 2016. A causa é o comércio online ou, se quiserem um nome, a
Amazon, que em 2017 ficou com 44% das vendas do e-commerce segundo pesquisa da
One Click Retail (fonte: Portal NOVAREJO).
No Brasil, em 2016, foram fechadas quase 109 mil lojas
físicas, segundo a CNC – Confederação Nacional do Comércio.
E varejo, o que é?
Varejo é a atividade econômica da venda de um bem ou um serviço
para o consumidor final, ou seja, uma transação entre um CNPJ e um CPF.
As vendas pelo e-commerce crescem a cada ano e, no Brasil,
não é diferente. Pelos dados da E-bit, o faturamento foi de R$ 44,4 bilhões em
2016 e de R$ 47,7 bilhões em 2017. Desse faturamento o livro representou apenas 3,2% em 2016,
ficando na 8ª posição.
Dados referentes a 2016:
Em 2017, em faturamento, o livro nem aparece entre os 10
primeiros, representando, portanto, menos de 2,2%.
Dados referentes a 2017:
Mas, se é tão pouco, por que dos 5 maiores varejistas do
e-commerce, 4 vendem livros (não considerei a Privalia por somente fazer ações
pontuais), e nenhum deles é um e-commerce que também tem livraria física?
É sempre bom lembrar que o primeiro produto a ser comercializado
no e-commerce foi o livro, mais precisamente em 03/04/1995 na Amazon. O
primeiro exemplar foi “Fluid Concepts and Creative Analogies: computer models
of the fundamental mechanisms ot thought”, de Douglas Hofstadter. Um livro da
categoria CTP (Científicos, Técnicos e Profissionais) sobre inteligência
artificial e aprendizado de máquina. Profético, não?
Durante muitos anos, até 2009, o livro foi a categoria mais
vendida em quantidade de pedidos no e-commerce no Brasil. Com o crescimento e
amadurecimento deste mercado, ano após ano, vem sendo ultrapassado por outras
categorias, mas ainda está entre as 10 mais.
Dados referentes a 2016:
Dados referentes a 2017:
Em 2013, depois de 32 anos trabalhando (em livraria e
editoras) com livros de Humanas, Literatura e Literatura infantil e
Infanto-Juvenil, entrei no segmento de livros CTP. Coincidiu com o lançamento
de uma nova edição do principal título da editora: Sobotta-Atlas de Anatomia
Humana em 3 vols. Preço de capa atual: R$ 883,00. E o que acontecia no e-commerce? Um dos principais players
vendia esse livro com desconto maior do que o desconto que recebia da editora.
Portanto, vendia com prejuízo! E isso, para mim, não fazia sentido.
Depois dos três primeiros meses de adaptação ao novo
segmento, aprende-se a fazer algumas perguntas. Boas perguntas podem ser
esclarecedoras.
Pergunta: Quem compra o livro Sobotta-Atlas de Anatomia
Humana?
Resposta: Estudante de Medicina de 1º período, principalmente.
Se a pergunta fosse sobre quem compra o livro do Padre
Marcelo Rossi, a resposta seria: milhões de pessoas, inclusive, possivelmente,
um estudante de Medicina de 1° período.
Acontece que E-commerce precisa de segmentação máxima sobre
quem compra. Por quê? Para poder sugerir, com grande grau de assertividade, produtos
que possam interessar ao cliente. Sugestões equivocadas podem fazer com que o
cliente clique no opt-out do e-mail marketing, por exemplo. E isso sai muito
caro. Conquistar um cliente novo custa 10 vezes mais do que manter um.
E como as empresas que operam no e-commerce fazem essa
segmentação?
Inicialmente pelo cadastro básico: nome, endereço completo
com cidade e estado, além de CPF e e-mail, que são dados necessários para
emissão de uma nota fiscal. Isso é comum a qualquer e-commerce. Além disso,
dependendo da visão de negócio e da capacidade de processamento e análise de
dados da empresa, ela pode pedir sua data de nascimento, seu gênero etc. Depois
pelas compras do cliente, é claro, mas isso pode demorar meses ou anos. Mas tem
uma informação que nenhuma empresa, por maior que seja, pede. Sabe qual é? Sua
faixa de renda. Guarde isso.
Voltando ao livro Sobotta-Atlas de Anatomia Humana, a partir
de uma única compra é possível deduzir, com alto grau de assertividade (o que
não é 100%, é claro), o seguinte sobre o cliente:
1-tem alto poder aquisitivo. Salário mínimo é R$ 954,00;
preço do livro R$ 883,00;
2-cliente tem entre 18 e 21 anos;
3-mora com os pais;
4-não trabalha, pois curso de Medicina é em horário integral;
5-tem até 10 anos de estudo pela frente: 6 do curso regular e
até 4 de Residência Médica. São 10 anos comprando livros. Aluno de
Medicina, via de regra, não abandona o curso;
6-se comprou um Sobotta, será potencial comprador do
Moore-Anatomia Orientada para a Clínica, do Junqueira-Histologia Básica etc.,
etc.; isto é, permite indicar e saber a próxima compra;
7-ao se tornar um profissional vai continuar comprando
livros, agora na sua área de especialização;
8-neste momento não é comprador de fogão, geladeira,
eletrodomésticos, mesmo sendo produtos de ticket elevado. São os pais que
compram, pois mora com eles;
9-mas já é potencial comprador do novo iPhone, do novo Moto,
do novo Galaxy e seus acessórios;
10-é potencial comprador do novo notebook;
11-é potencial comprador de pacotes de viagens; etc.
Imagine-se que esse e-commerce tenha perdido R$ 88,00 com
essa venda do Sobotta (10% do preço de capa). É um custo muito baixo para a
quantidade de conhecimento que adquiriu sobre o cliente (e isso é muito mais do
que simples informação), com uma única venda. E quanto esse cliente pode trazer
de faturamento ao longo de um ano, ao longo de 10 anos?
Esse tipo de cliente é potencial consumidor de R$ 1.000,00
por mês, em média, no e-commerce. São R$ 12.000,00 no ano. Se esse e-commerce
vender 1.000 exs do Sobotta por ano, pode trazer um faturamento de R$ 12
milhões por ano.
Quantas editoras faturam R$ 12 milhões por ano? Menos de uma
centena.
Quantas livrarias faturam R$ 12 milhões por ano? Algumas
dezenas.
Em 10 anos, só os compradores do Sobotta em um único ano, podem trazer um faturamento de R$
120 milhões!
Portanto, vender livro, ficou estratégico para o varejo em
geral. Não é mais somente uma questão de editora e livraria, de mercado
editorial. O varejo vai cada vez mais para o canal do e-commerce e este será
dominado pelos grandes Marketplaces.
Números comprobatórios?
Em 2016, dos 50 maiores grupos varejistas, 31 deles ou 62%,
têm operação de e-commerce. E dos 10 maiores, 70% têm Marketplace. Se olharmos
apenas para os 7 primeiros, 6 deles ou 86% têm Marketplace.
E o que é Marketplace? Basicamente uma plataforma de
e-commerce onde vários varejistas podem vender, mediante o pagamento de uma
comissão para o Marketplace. Portanto, não é necessário ter um site próprio
para vender no e-commerce.
O primeiro Marketplace foi lançado em 1995, uma start-up do
Vale do Silício fundada por Pierre Omidyar, e seu nome era Auction Web. Já ouviu
esse nome antes? Não? E eBay? Então, são a mesma “pessoa”. A partir de 1997 o
nome eBay passa a ser usado e está aí até hoje, como um dos gigantes do
e-commerce. E este passou a ser o modelo de negócio perfeito, pois recebe uma
comissão por cada venda, sem ter os custos de estoque e envio.
A Amazon inicialmente até seguiu o modelo do eBay, de venda por
leilão, e lançou o Amazon Auction em 1999, como uma aba dentro do site da
Amazon. Não deu certo, pois o eBay já tinha estabelecido o tráfego. Assim,
aprendendo também com os erros, a Amazon lançou no ano 2000 seu Marketplace com
a venda direta de produtos por diferentes varejistas. Começou também com o
livro, desta vez o usado. Todas as ofertas de venda de um produto apareciam na
mesma página desse produto da própria Amazon. Este formato da venda direta com
preço, e não o leilão, prevaleceu e também já é o principal no eBay, há muito
tempo.
Estava assim lançada a base que pode permitir que se
concretize o discurso de Jeff Bezos em Março de 1999 na Association of American
Publishers: “Não nos vemos como uma
livraria nem como um loja de música. Queremos ser o lugar onde uma pessoa
encontra e descobre tudo que quer comprar.” Citado por Brad Stone in A Loja
de Tudo.
No Brasil o primeiro Marketplace foi o Mercado Livre, fundado
em Agosto de 1999 na Argentina, e que aqui começou as operações em Outubro
desse mesmo ano.
Voltando para o livro, das 70 maiores empresas de e-commerce,
as 3 maiores são Marketplaces que também vendem livros. E, destas 70, 10 delas
são Marketplaces. Com a Saraiva são 4 ou 40% dos Marketplaces que vendem
livros.
Nos próximos anos a disputa vai ser acirrada no e-commerce e
entre os Marketplaces. Nos que vendem livros, a disputa será entre (em ordem
alfabética): Amazon; B2W (Americanas, Shoptime, Submarino); Buscapé; Cultura (Fnac, Estante Virtual); Magazine Luiza; Mercado Livre; Ricardo Eletro; Saraiva; Via Varejo (Casas Bahia, Extra, Ponto
Frio); Walmart. Destes 10 concorrentes, somente 3 ainda têm o livro como
principal produto em faturamento: Amazon, Cultura e Saraiva.
Parece um cenário assustador, não? A concentração vai
aumentar ainda mais. No segmento de livros CTP (Científicos, Técnicos e
Profissionais) as livrarias físicas vão perder espaço muito rapidamente, a cada
ano. Hoje, entre 50% e 60% do que é vendido para um cliente CPF já é via algum
e-commerce.
Como vai ser para o segmento de livros de Interesse Geral,
como Literatura? Acho que ainda existe um espaço maior para as livrarias
físicas neste caso. Mas, certamente, não será para as que apostam as fichas em
best-sellers. Esse tipo de livro será comprado no e-commerce. Qual será o
modelo sobrevivente? Não sei, mas deixo uma pista: estudem a Blooks Livraria.
Para as editoras a concentração também não é boa, é claro. Entretanto,
passou a existir uma variável interessante, que pode vir a evitar que fiquem
reféns, se conseguirem pensar e agir mais a longo prazo, e não no imediatismo,
como é usualmente feito.
Como o livro é “boi de piranha” para os grandes varejistas já
mencionados, será muito arriscado para qualquer um deles, que compra direto de
editora, exigir mais vantagens comerciais (desconto, prazo, devolução, frete,
verba de marketing etc) e, caso não consigam, fazer alguma espécie de
retaliação e não disponibilizar os best-sellers, por exemplo. E sabe por quê? Por
dois motivos principais. Um: porque no e-commerce tráfego para o site é
condição básica para faturamento. Livro proporciona isso, como já demonstrado.
E dois: porque o concorrente de um grande varejista não é uma livraria e, sim,
os outros gigantes do varejo, seus concorrentes diretos, que também vendem de
tudo, inclusive livros.
Mais uma prova? É só lembrar que o faturamento de um único
grande varejista, a B2W em 2016, foi
de R$ 10 bilhões e, o faturamento de
todo o mercado do livro (exceto governo), foi de R$ 4 bilhões, segundo a pesquisa FIPE. Portanto, fica alguma dúvida
de que o livro não é o produto, não é o objetivo direto para o faturamento dos
grandes varejistas?
Por outro lado, terão as editoras nervos de aço e/ou caixa
para resistir e sobreviver neste momento de definição de cotas de mercado entre
os gigantes? Ah, ainda falta chegar o chinês, o Alibaba Group...
Publicado originalmente no Publishnews em 24/04/2018
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