Ainda não é regra geral no mercado editorial brasileiro a preocupação com boas traduções. E isso diz respeito a editoras, livrarias e a leitores também. Sendo, os leitores, os que dispõem de menos condições para avaliar uma boa tradução na hora de comprar um livro traduzido.
A situação fica mais crítica quando o livro em questão já está em domínio público, isto é, quando o autor do livro morreu há mais de 70 anos. São inúmeros os casos de uma mesma obra publicada por várias e várias editoras. Nesse caso, como saber qual escolher? O critério mais simples, e talvez o mais usado, é o do menor preço. Mas será esse o que trará melhor custo benefício? Normalmente o barato tem qualidade inferior. Mas há exceções, é claro. Vejamos o exemplo do Alice no País das Maravilhas do Lewis Carroll. Uma pesquisa rápida numa livraria virtual, e podem ser encontradas muitas edições. Selecionei cinco delas que têm o texto integral, sem adaptações:
por R$ 45,00 a da Cosac
por R$ 28,90 a da Ática
por R$ 19,90 a da Zahar (em capa dura e tem as duas histórias com a Alice)
por R$ 12,90 a da Martin Claret
por R$ 12,00 a da LPM
E aí, qual escolher? Um caminho é tentar conhecer qual a importância que as editoras dão à tradução. Começar a conhecer o nome dos tradutores, como se conhece o nome dos autores. Recolher informações sobre autores que ganharam prêmios e/ou elogios pela qualidade do seu trabalho. No caso do Alice, na edição da Cosac, a tradução de Nicolau Sevcenko recebeu muitos elogios da crítica, e na edição da Zahar, a tradução de Maria Luísa Borges recebeu o prêmio Jabuti em 2002. A partir de 1978 o prêmio Jabuti passou a ter a categoria tradução. Veja a relação completa aqui.
Cada vez mais o trabalho dos bons tradutores é fundamental, ainda mais nestes tempos de conexão total pela internet. Esse cuidado por parte das editoras vai separar o que tem qualidade daquilo que fica próximo de uma tradução como se fosse via Google Translator. E a editora que não tomar os devidos cuidados corre o risco de ver sua marca perder credibilidade. Para um exemplo, veja aqui a análise de algumas obras da coleção da Folha de São Paulo, Livros que Mudaram o Mundo, por Denise Bottmann.
Quem quiser se aprofundar no assunto tradução, recomendo o excelente blog da tradutora Denise Bottmann, o não gosto de plágio.
Para terminar reproduzo a entrevista que André Telles e Rodrigo Lacerda, premiados com o Jatubi de 2009 pela tradução do O Conde de Monte Cristo, concederam para o site da editora Zahar sobre os detalhes da tradução de Os Três Mosqueteiros, edição definitiva, comentada e ilustrada, de Alexandre Dumas.
Entrevista: André Telles e Rodrigo Lacerda
O Conde de Monte Cristo, ganhou o Prêmio Jabuti 2009 de melhor tradução de obra literária francês-português. Como foi traduzir agora Os três mosqueteiros, a obra mais famosa de Alexandre Dumas?
A tradução foi feita com o entusiasmo de dois admiradores de clássicos de aventuras. Somos duas pessoas marcadas pelas leituras de Dumas, desde a nossa adolescência. O fato de, ao contrário do Conde, os Mosqueteiros abundarem em cenas de comédia, exigiu uma tradução mais livre, eventualmente mais fiel ao espírito do que à letra do texto. Também o ritmo acelerado da ação exigiu bom senso, para avaliar quando, em relação ao original, pequenas variações na pontuação das frases contribuía para a manutenção desse ritmo, privilegiando-o em detrimento a uma obediência cega (e burocrática) a uma pontuação mais comum na língua francesa do período. Uma diferença - a princípio banal mas que costuma afugentar o jovem leitor - em relação às traduções até hoje publicadas foi a adoção da forma de tratamento você entre os mosqueteiros, em lugar do tu ou do vós. Isso torna o texto muito mais leve de se ler, e muito mais plausível ao leitor de hoje, para quem é difícil imaginar, por exemplo, dois grandes amigos, como dArtagnan e Athos, tratando-se por vós. Claro que, sempre que os personagens dos reis e ministros estavam na cena, o protocolo de tratamento a chefes de Estado é mantido, novamente para dar verossimilhança à cena, pois não se imagina um camareiro chamando Luís XIII de você. Tentamos cumpádi, mano, véio, mas por algum motivo também não ficou legal... Vale mencionar também que nossas edições de Dumas tomam cuidados que nem mesmo as francesas tomam. Por exemplo: se no capítulo 1 o personagem é louro, e a partir do capítulo 2 ele sempre aparece com vastas cabeleiras morenas, evidenciando uma contradição obviamente decorrente do fato de o livro ter originalmente sido publicado como folhetim, isto é em partes, e considerando o fato comprovado de que Dumas nunca reviu seus livros depois de publicados integralmente, nós protegemos o leitor de eventuais confusões eliminando a contradição, mas de forma absolutamente cirúrgica, sem mudar absolutamente nada mais da frase em que a contradição aparece. Nos casos em que mexidas maiores do que a simples troca de uma palavra se fariam necessárias, puxamos uma nota e explicamos a contradição, citando as páginas em que as informações contraditórias aparecem, de modo, novamente, a que o leitor não se confunda e que possa se certificar de que não estava com uma falsa impressão sobre algum ponto do texto, mas sim que fora levado a erro pelo próprio modo de produção do autor. É uma maneira de fazer uma edição minimamente crítica sem entediar o leitor. Do ponto de vista mais prático, no entanto, a dinâmica de trabalho foi a mesma que utilizamos no Conde: o André faz o texto-base integral; eu, Rodrigo, faço um novo tratamento pesado, cotejando linha por linha, e depois fazemos um segundo tratamento já na primeira prova. Enquanto isso, o André faz a busca das imagens e de bibliografia, enquanto eu faço as notas, pedindo socorro a ele quando é absolutamente necessário. Do ponto de vista da padronização do texto, usamos basicamente os mesmo critério que no Conde. Todos visando a compreensão mais fácil e imediata ao leitor.
A tradução foi feita a partir de qual versão?
Creio que essa pergunta não se aplica muito bem aos romances do Dumas, cujos textos não receberam até hoje, na França, um tratamento crítico digno desse nome, com edições que registrem variantes, contradições internas etc. A tradução tomou com base a edição da Pléiade, que difere das outras apenas pelo aparato crítico que a acompanha.
Como foi a confecção de notas para esta edição? Que tipo de características foram enfatizadas?
A principal orientação da nota é atender às lacunas de informação do próprio texto. Isso acontece quando um personagem histórico é referido e, no resto todo do romance, não se tem mais nenhuma informação ou referência sobre ele, ou, em outro caso, quando o original usa uma expressão típica da época sem maiores explicações, como it de justice, por exemplo. Não há tradução para isso, é um jargão da monarquia francesa, mas o leitor brasileiro não é obrigado a saber do que se trata. A segunda função das notas é apontar as contradições do próprio texto, de modo a que o leitor não fique confuso e sua leitura continue fluente. A terceira função das notas é, quando o enredo do romance assim o exige, dar ao leitor brasileiro informações básicas sobre o pano de fundo histórico do período, que para o leitor francês talvez esteja claro, pois ele pode ter estudado aquele assunto no colégio, mas que não necessariamente foi o caso do leitor brasileiro. Um exemplo disso, nos Mosqueteiros, é o cerco de La Rochelle, episódio importante no ocaso das Guerras de Religião na França, entre católicos e protestantes. A emoção da história só aumenta se você entende a dimensão histórica dos acontecimentos, pois dArtagnan e cia. estão intimamente ligados a eles. Em compensação, fugimos das notas que explicam minúcias absolutamente decorativas da história da França, ou a genalogia das ruas de Paris e coisas assim, exclusivamente de interesse do leitor francês (se tanto), que enchem páginas e páginas de notas nas edições francesas.
A situação fica mais crítica quando o livro em questão já está em domínio público, isto é, quando o autor do livro morreu há mais de 70 anos. São inúmeros os casos de uma mesma obra publicada por várias e várias editoras. Nesse caso, como saber qual escolher? O critério mais simples, e talvez o mais usado, é o do menor preço. Mas será esse o que trará melhor custo benefício? Normalmente o barato tem qualidade inferior. Mas há exceções, é claro. Vejamos o exemplo do Alice no País das Maravilhas do Lewis Carroll. Uma pesquisa rápida numa livraria virtual, e podem ser encontradas muitas edições. Selecionei cinco delas que têm o texto integral, sem adaptações:
por R$ 45,00 a da Cosac
por R$ 28,90 a da Ática
por R$ 19,90 a da Zahar (em capa dura e tem as duas histórias com a Alice)
por R$ 12,90 a da Martin Claret
por R$ 12,00 a da LPM
E aí, qual escolher? Um caminho é tentar conhecer qual a importância que as editoras dão à tradução. Começar a conhecer o nome dos tradutores, como se conhece o nome dos autores. Recolher informações sobre autores que ganharam prêmios e/ou elogios pela qualidade do seu trabalho. No caso do Alice, na edição da Cosac, a tradução de Nicolau Sevcenko recebeu muitos elogios da crítica, e na edição da Zahar, a tradução de Maria Luísa Borges recebeu o prêmio Jabuti em 2002. A partir de 1978 o prêmio Jabuti passou a ter a categoria tradução. Veja a relação completa aqui.
Cada vez mais o trabalho dos bons tradutores é fundamental, ainda mais nestes tempos de conexão total pela internet. Esse cuidado por parte das editoras vai separar o que tem qualidade daquilo que fica próximo de uma tradução como se fosse via Google Translator. E a editora que não tomar os devidos cuidados corre o risco de ver sua marca perder credibilidade. Para um exemplo, veja aqui a análise de algumas obras da coleção da Folha de São Paulo, Livros que Mudaram o Mundo, por Denise Bottmann.
Quem quiser se aprofundar no assunto tradução, recomendo o excelente blog da tradutora Denise Bottmann, o não gosto de plágio.
Para terminar reproduzo a entrevista que André Telles e Rodrigo Lacerda, premiados com o Jatubi de 2009 pela tradução do O Conde de Monte Cristo, concederam para o site da editora Zahar sobre os detalhes da tradução de Os Três Mosqueteiros, edição definitiva, comentada e ilustrada, de Alexandre Dumas.
Entrevista: André Telles e Rodrigo Lacerda
O Conde de Monte Cristo, ganhou o Prêmio Jabuti 2009 de melhor tradução de obra literária francês-português. Como foi traduzir agora Os três mosqueteiros, a obra mais famosa de Alexandre Dumas?
A tradução foi feita com o entusiasmo de dois admiradores de clássicos de aventuras. Somos duas pessoas marcadas pelas leituras de Dumas, desde a nossa adolescência. O fato de, ao contrário do Conde, os Mosqueteiros abundarem em cenas de comédia, exigiu uma tradução mais livre, eventualmente mais fiel ao espírito do que à letra do texto. Também o ritmo acelerado da ação exigiu bom senso, para avaliar quando, em relação ao original, pequenas variações na pontuação das frases contribuía para a manutenção desse ritmo, privilegiando-o em detrimento a uma obediência cega (e burocrática) a uma pontuação mais comum na língua francesa do período. Uma diferença - a princípio banal mas que costuma afugentar o jovem leitor - em relação às traduções até hoje publicadas foi a adoção da forma de tratamento você entre os mosqueteiros, em lugar do tu ou do vós. Isso torna o texto muito mais leve de se ler, e muito mais plausível ao leitor de hoje, para quem é difícil imaginar, por exemplo, dois grandes amigos, como dArtagnan e Athos, tratando-se por vós. Claro que, sempre que os personagens dos reis e ministros estavam na cena, o protocolo de tratamento a chefes de Estado é mantido, novamente para dar verossimilhança à cena, pois não se imagina um camareiro chamando Luís XIII de você. Tentamos cumpádi, mano, véio, mas por algum motivo também não ficou legal... Vale mencionar também que nossas edições de Dumas tomam cuidados que nem mesmo as francesas tomam. Por exemplo: se no capítulo 1 o personagem é louro, e a partir do capítulo 2 ele sempre aparece com vastas cabeleiras morenas, evidenciando uma contradição obviamente decorrente do fato de o livro ter originalmente sido publicado como folhetim, isto é em partes, e considerando o fato comprovado de que Dumas nunca reviu seus livros depois de publicados integralmente, nós protegemos o leitor de eventuais confusões eliminando a contradição, mas de forma absolutamente cirúrgica, sem mudar absolutamente nada mais da frase em que a contradição aparece. Nos casos em que mexidas maiores do que a simples troca de uma palavra se fariam necessárias, puxamos uma nota e explicamos a contradição, citando as páginas em que as informações contraditórias aparecem, de modo, novamente, a que o leitor não se confunda e que possa se certificar de que não estava com uma falsa impressão sobre algum ponto do texto, mas sim que fora levado a erro pelo próprio modo de produção do autor. É uma maneira de fazer uma edição minimamente crítica sem entediar o leitor. Do ponto de vista mais prático, no entanto, a dinâmica de trabalho foi a mesma que utilizamos no Conde: o André faz o texto-base integral; eu, Rodrigo, faço um novo tratamento pesado, cotejando linha por linha, e depois fazemos um segundo tratamento já na primeira prova. Enquanto isso, o André faz a busca das imagens e de bibliografia, enquanto eu faço as notas, pedindo socorro a ele quando é absolutamente necessário. Do ponto de vista da padronização do texto, usamos basicamente os mesmo critério que no Conde. Todos visando a compreensão mais fácil e imediata ao leitor.
A tradução foi feita a partir de qual versão?
Creio que essa pergunta não se aplica muito bem aos romances do Dumas, cujos textos não receberam até hoje, na França, um tratamento crítico digno desse nome, com edições que registrem variantes, contradições internas etc. A tradução tomou com base a edição da Pléiade, que difere das outras apenas pelo aparato crítico que a acompanha.
Como foi a confecção de notas para esta edição? Que tipo de características foram enfatizadas?
A principal orientação da nota é atender às lacunas de informação do próprio texto. Isso acontece quando um personagem histórico é referido e, no resto todo do romance, não se tem mais nenhuma informação ou referência sobre ele, ou, em outro caso, quando o original usa uma expressão típica da época sem maiores explicações, como it de justice, por exemplo. Não há tradução para isso, é um jargão da monarquia francesa, mas o leitor brasileiro não é obrigado a saber do que se trata. A segunda função das notas é apontar as contradições do próprio texto, de modo a que o leitor não fique confuso e sua leitura continue fluente. A terceira função das notas é, quando o enredo do romance assim o exige, dar ao leitor brasileiro informações básicas sobre o pano de fundo histórico do período, que para o leitor francês talvez esteja claro, pois ele pode ter estudado aquele assunto no colégio, mas que não necessariamente foi o caso do leitor brasileiro. Um exemplo disso, nos Mosqueteiros, é o cerco de La Rochelle, episódio importante no ocaso das Guerras de Religião na França, entre católicos e protestantes. A emoção da história só aumenta se você entende a dimensão histórica dos acontecimentos, pois dArtagnan e cia. estão intimamente ligados a eles. Em compensação, fugimos das notas que explicam minúcias absolutamente decorativas da história da França, ou a genalogia das ruas de Paris e coisas assim, exclusivamente de interesse do leitor francês (se tanto), que enchem páginas e páginas de notas nas edições francesas.
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