domingo, 14 de dezembro de 2008

Formação de Livreiros 1: problemas

Trabalhamos com um produto, o livro, que é, até o presente momento, o suporte mais comum e eficiente para a transmissão, ao longo do tempo, do conhecimento produzido por gerações e gerações de habitantes deste planeta. No Brasil, entretanto, mesmo com um produto tão eficiente e tão carregado de simbolismo, o mercado do livro, principalmente para a parte de livrarias, não consegue formar profissionais para atender à demanda que o mercado requer e necessita.


Aproveitando o gancho de um post do Gerson Ramos no seu blog Vivo de Livro, sobre como deve ser chamado o profissional que trabalha nas livrarias no atendimento direto ao cliente, levanto aqui uma nova alternativa: livreiro. À primeira vista pode parecer uma questão de menor importância, mas acho que a falta de um nome que dê "cara", que possa identificar uma profissão à simples menção dele, não estimula que se pense de forma consistente, contínua e de longo prazo em formação profissional, em cursos técnicos, em métodos de ensino, em pesquisas na área etc. Trabalhar numa livraria, salvo raras exceções no mercado, é visto, é percebido pelas pessoas, como um emprego temporário (até que apareça algo melhor), e não como um trabalho que tenha a perspectiva de uma carreira e de crescimento na empresa e na área. Esta visão independe do nível de formação escolar das pessoas, tenham elas o ensino fundamental, médio ou superior, completo ou não. Afinal, quem não gosta de ter um nome profissional que identifique, perante os outros, a sua área de trabalho, seja ele torneiro mecânico, garçon, economista, revisor etc, etc. ? Portanto, se a profissão de livreiro não existe, por que investir nela?


Se pensarmos no livro como produto final de uma cadeia de produção, a livraria, seja ela física ou virtual, fica no fim dessa cadeia e exatamente no ponto onde acontece a realimentação da mesma, isto é, o momento em que ocorre a venda do livro para o consumidor final - o cliente, o leitor. Pensando ainda em termos de cadeia de produção, na área editorial, que fica antes das livrarias, os profissionais que lá trabalham como, editores, revisores, designers, produtores gráficos etc., passam por uma formação profissional, na maioria das vezes universitária, de vários e vários anos. Por mais paradoxal que pareça, a existência de inúmeros cursos universitários, tanto públicos quanto privados, com investimento de recursos financeiros para a formação de profissionais capazes de produzir o livro, é inversamente proporcional a inexistência de cursos, técnicos ou universitários, para a formação de profissionais para a venda desse livro produzido. Se o livro é um produto especial e com uma variedade imensa (são 20 mil novos títulos por ano só no Brasil), como é que não se investe na formação de profissionais para a área de venda nas livrarias? Não adianta pensar que uma pessoa que faz um curso de vendas para o comércio em geral, seja sapataria, loja de roupas ou qualquer outra, estará apta para vender numa livraria. Quantos tipos de sapatos podem ser oferecidos numa sapataria? Uns 300 ou 500? E no máximo divididos em para mulheres, homens e crianças. Numa livraria podem ser oferecidos mais de 2 milhões e 600 mil títulos, para entrega imediata ou a encomendar, e divididos por centenas de áreas.


De uns poucos anos pra cá, algumas iniciativas começaram a surgir, como a Universidade do Livro da Unesp e a Escola do Livro da CBL em São Paulo, e a Estação das Letras, no Rio de Janeiro, com o projeto Livraria do Séc XXI. Neste ano de 2008, a ANL, passou a oferecer em São Paulo, o curso capacitador nas livrarias. São iniciativas importantes mas que, infelizmente, não suprem a necessidade do atual mercado livreiro no que diz respeito às livrarias. Na hora em que uma livraria Cultura, Saraiva, Travessa, Livraria da Vila, Livrarias Curitiba, Fnac etc, pensam em expandir seus negócios ou um empresário-livreiro pensa em abrir sua primeira loja ou filial, o principal problema comum não é a falta de capital para investir e, sim, a falta de mão-de-obra especializada. As redes ainda têm a facilidade de atrair a mão-de-obra que já existe no mercado (vide os sites delas onde sempre existe uma chamada para recrutamento e seleção). Ainda no caso das redes, onde a concorrência é a cada dia mais acirrada, não é possível esperar que a mão-de-obra simplesmente apareça e, por isso, são obrigadas a investir elevados recursos para a formação da mão-de-obra de que necessitam. Esses recursos poderiam ser investidos na abertura de novas lojas e melhoria dos sistemas de gerenciamento, o que aceleraria o crescimento do mercado como um todo.


Portanto, está mais do que na hora que editoras e livrarias e suas entidades representativas, como Snel, CBL, ANL, Libre, Abrelivros, ABEU, ABDR etc, pensem no mercado do livro com uma visão mais ampla, para além do seu negócio específico, sob o risco de estagnação de todo setor. Não adianta ter a capacidade de produzir cada vez mais e melhor e perder a capacidade de vender. Livros em excesso nos depósitos das editoras são mais do que estoque; viram encalhe.


Em um próximo post espero poder apresentar algumas alternativas para os problemas relatados acima. Não é mais possível esperar que a formação de uma pessoa ocorra somente pela observação do que os outros fazem e pelo seu próprio fazer diário, com seus erros e acertos, como foi o meu caso. É necessário sistematizar o conhecimento e encontrar métodos eficientes e rápidos de transmissão aos interessados na área do livro.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Cliente ou Consumidor?

Como você, caro livreiro, vê as pessoas que compram na sua livraria? A resposta a esta pergunta, muito provavelmente, revelará suas práticas de trabalho diariamente utilizadas. Segundo definição encontrada no dicionário Aurélio, consumidor "é aquele ou aquilo que consome"; cliente é "aquele que usa os serviços ou consome os produtos de determinada empresa ou de profissional". Portanto, a definição de cliente é muito mais ampla, muito mais abrangente, como acho que deve ser.

Cliente deve ser pensado como a base, como os pilares de seu negócio. Nesta perspectiva, é fundamental que as livrarias tenham e/ou trabalhem para reunir o maior número de informações a respeito de cada cliente. A informação mínima é saber nome e endereço físico e/ou de e-mail. Se você não tem esses dados atualizados e minimamente organizados, sinto informar que você não tem clientes e sim consumidores que, a cada dia, podem ir consumir em outras livrarias.

Quem ainda não percebeu que é fundamental ter clientes, estejam eles próximos ou fisicamente afastados, e que fidelizá-los é difícil e demanda tempo e investimento, e que perdê-los é muito fácil e rápido, deve parar e repensar seu negócio. Mas, o que é ter clientes e como fidelizá-los?

O mercado livreiro tem como prática seguir os preços de capa sugeridos pelas editoras. Salvo promoções pontuais e eventuais, os preços de venda da maioria absoluta dos títulos são os mesmos nas livrarias, sejam elas pequenas, médias ou grandes. Então, se o preço é igual ou muito parecido, o que leva o cliente a comprar livros numa livraria e não em outra, mesmo que estejam fisicamente próximas?

Algumas possibilidades de resposta: atendimento e/ou serviços oferecidos e/ou acervo. Julgo o atendimento o ponto mais importante para o sucesso ou não de um negócio. Como já comentei em post anterior, com bom atendimento é possível vender até o que não se tem em estoque no momento. Por isso, acho inconcebível que um cliente quando entra numa livraria e pergunta se tem determinado título receba, como resposta, um simples e único não encerrando-se, assim, o atendimento ao cliente. O problema não está no fato de não ter o livro em estoque, mas sim, em não continuar o atendimento informando ao cliente se o livro está esgotado ou não. No caso de estar disponível na editora, deve-se oferecer a possibilidade de encomendá-lo para o cliente e também informar o prazo em que deve chegar. Se a livraria tiver infraestrutura para tal, deve-se ainda oferecer a possibilidade de entregar o livro no endereço que o cliente indicar e, é claro, sem custo adicional. Lembre-se que o livro não estava disponível no momento em que o cliente o queria comprar. Portanto, para realizar essa venda, será necessário um custo extra mas, acredite, valerá a pena.

Na segunda hipótese, a do livro solicitado estar esgotado, o livreiro deve ser capaz de oferecer ao cliente outros títulos do mesmo autor e/ou títulos de autores relacionados com o tema do livro solicitado inicialmente. É claro que para o livreiro poder fazer o atendimento descrito acima é necessário que ele disponha de instrumental mínimo, qual seja, um cadastro de livros confiável e diariamente atualizado (ver post Como Vender Livros Demais?, 3 parágrafo). Além disso, é necessário que o livreiro tenha o hábito de ler e possua um acúmulo de leitura e/ou de informações sobre livros, que lhe permita fazer associações para além de uma pesquisa num cadastro de livros.

A parte de serviços que uma livraria pode oferecer a seus clientes é bem ampla. É importante ressaltar que não são somente recursos financeiros que possibilitam oferecer tais serviços mas, também e principalmente, a criatividade. Que serviços podem ser esses? Vou listar alguns:
01-reserva de livros e encomendas;
02-pesquisa de livros sobre determinado assunto e/ou autor (es);
03-entregas em domicílio;
04-parcelamento das compras sem juros;
05-programa de pontuação de compras e posterior bonificação em produtos;
06-pré-venda, com garantia de entrega rápida, de livros de grande expectativa gerada pela mídia;
07-produtos com diferencial exclusivo para clientes cadastrados como, por exemplo, livros autografados;
08-envio de mala direta e/ou e-mail marketing (previamente autorizado pelo cliente) com promoções exclusivas para esse envio;
09-no mês de aniversário do cliente ele pode receber um brinde ou um bônus financeiro para compras a partir de determinado valor;
10-vender vale presente para um cliente poder presentear outras pessoas;
11-palestras e mini-cursos;
12-eventos para crianças como contação de histórias, atividades manuais, teatrinho etc;
13-contação de histórias para adultos;
14-pocket shows;
15-grupos de leitura e discussão;
16-espaço café;
17-não dificultar a troca de produtos comprovadamente adquiridos na loja, principalmente no caso de defeito gráfico, pois as editoras depois também fazem a troca. Enfim, o limite de serviços que podem ser oferecidos será definido, principalmente, pela sua criatividade ou pela falta dela. E isso, independe do tamanho da livraria. Ofereci a maioria desses serviços numa loja de 30 m2, localizada no terceiro piso de uma galeria comercial e sem janela pra rua.

Por fim, chegamos à parte do acervo, que é o primeiro elemento que definirá seu público. É claro que a localização física da livraria também será importante para definir a escolha do acervo inicial. Digo inicial pois, ao longo do tempo, o dia-a-dia na livraria poderá indicar necessidades e experiências com acervo, digamos, não tão óbvio à primeira vista. Mas, voltando à localização física da livraria, segue um exemplo: em 1986 tive uma livraria, a Bruzundangas, dentro do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, o IFCS, na UFRJ no Largo de São Francisco. Os cursos lá oferecidos são os de História, Filosofia e Ciências Sociais. Logo, o acervo era direcionado para essas áreas. Não adiantava ter livros na área de ciências exatas, ou direito, ou medicina por exemplo. Livros de interesse mais geral, como literatura, apenas complementavam o acervo. Portanto, na hora da escolha do acervo, deve-se privilegiar aquele que atenda seu público alvo - partindo do pressuposto que você, livreiro, já o tenha previamente identificado. É melhor ter um acervo bom em poucas áreas, que possa ser identificado como referência pelos clientes, do que tentar ter um pouco de muitas áreas imaginando, assim, que abrangerá um público mais amplo. Não se iluda; quem tem poucos títulos de muitas áreas, na verdade, não tem nada em termos de acervo. Não será uma livraria referência e, portanto, não terá futuro no cada vez mais exigente mercado livreiro.

De como chegamos a este estado de coisas

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