A Amazon iniciou seus negócios no Brasil em 06/12/2012
vendendo somente e-books. Em 21/08/2014, também numa jogada de marketing, na
véspera da 23ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, começou a vender
livros impressos. A terceira fase aconteceu em 12/04/2017 com a versão Market
Place para a venda de livros usados, além dos novos. E, recentemente, em
18/10/2017 começou a vender eletrônicos, mas exclusivamente via Market Place.
Nas conversas e negociações que tenho com clientes e colegas
de ofício do mercado do livro, em algum momento a Amazon sempre entra na pauta.
E o tema específico, único, monolítico, verdadeira obsessão é... DESCONTO que a
Amazon pratica.
Mas, por que alguém compra alguma coisa? Será que é pelo
preço? É ele o determinante ou será que se compra algo para satisfazer uma
necessidade, seja ela física ou psicológica? Lembram das lojas de R$ 1,99? Onde
estão?
Para esta discussão sobre preço, desconto, valor, reproduzo
algumas opiniões de pensadores e estudiosos:
Saul Kaplan diz que:
“O preço é o elemento
menos compreendido e mais mal implementado do mix de marketing. Quando você vê
uma empresa depender excessivamente de descontos e incentivos para impulsionar
suas vendas, é um sinal de alerta. A liderança pelo preço é, sem dúvida, um
sinal de produto ou serviço não diferenciado. Muitas empresas de marketing e
vendas abusam dos incentivos e descontos. Isso porque é mais fácil vender por
um preço menor do que trabalhar para convencer os clientes do valor inerente a
um preço mais elevado. Também é da natureza humana preferir vender por um preço
mais baixo a correr o risco de perder uma venda. O problema é que o comportamento
adepto da concessão de descontos transmite uma mensagem aos consumidores de que
a oferta não vale o preço pedido. Desse modo, é inevitável que os clientes
simplesmente esperem uma oferta melhor. A venda baseada no preço é como um
vício. A partir do momento em que o comportamento adepto dos descontos invade
uma empresa, trona-se difícil controlar o hábito”.
E Kaplan é contundente na forma de combater esse
vício.
“A partir do momento em
que o vício do desconto passa a dominar uma empresa, somente um significativo
esforço de reabilitação, normalmente com mudança de funcionários, pode reverter
uma espiral descendente de preços”. pp. 52-53.
Para Michael Aun, “Uma
clientela leal não é conquistada com descontos ou prêmios, e sim ao longo do
tempo, com serviços e produtos de qualidade”. p. 65
O senso comum é que a prática de conceder descontos na venda
de livros para o consumidor final começou com a Amazon, a partir de 1995. Será?
Corria o ano de 1977 quando a Crown Books foi fundada por
Robert Haft. A estratégia de expansão foi dar descontos de até 40% nos
best-sellers de capa dura. No Washington Post em 1979, na edição de domingo, os
anúncios eram com Robert Haft sentado em grandes pilhas de livros com a legenda
“Books Cost Too Much, That's Why I Opened
Crown Books. Now You'll Never Pay Full Price Again!”. Chegou a ter
247 lojas no auge, em 1993, e era a terceira rede de livrarias nos USA atrás da
Barnes & Noble e da Borders, que também passaram a dar descontos. A partir
de 1994, devido a uma disputa familiar, começou a decair e foi liquidada em
2001.
Como resultado dessa prática de descontos elevados, segundo
dados da American Booksellers Association, “entre
1991 e 1997, a participação de livrarias independentes no mercado dos USA caiu
de 33% para 17%. O número de associados também caiu de 4.500 para 3.300”. Stone,
p.66.
1995, em retrospectiva, transformou-se num ano emblemático: início
das vendas da Amazon nos USA e, no Brasil, início do site da Livraria Cultura e
da Book Net, esta que foi a primeira livraria brasileira exclusivamente
virtual, criada por Jack London. A Book Net já concedia descontos. Chegou a ter
50 mil clientes quando foi comprada em 1998 pela GP Investments (de Jorge. Paulo.
Lemann e companhia). Em 03/11/1999 o nome foi alterado para Submarino que, seis
meses depois, já alcançava os 500 mil clientes, e manteve a política de dar
descontos.
Mas, a prática dos descontos em livrarias físicas no Brasil
deve ser creditada à Fnac. No ano 2000, a Fnac, de origem francesa, comprou o
Ática Shopping Cultural e abriu duas outras lojas em São Paulo. Como estratégia
para atrair clientes para as lojas instituiu o “Preço Verde”, um selo adesivo
que era colado nos livros, CDs e DVDs, e que dava 20% de desconto nos primeiros
30 dias de lançamento desses produtos em loja. O que era, e ainda é, proibido
na França. As outras livrarias, principalmente as maiores, optaram por
acompanhar a Fnac nessa estratégia, e começaram a dar descontos também. Para
preservarem sua margem, começaram a exigir mais descontos das editoras que, na
sua grande maioria, cedeu.
Voltando a falar de obsessão, qual será a da Amazon?
Três dos autores indicados na bibliografia abaixo, Brandt,
Krames e Stone, mencionam o fato a seguir envolvendo Jeff Bezos. Transcrevo
o relato de Brandt, por ser o mais detalhado:
“Em 22.09.1994, dois
meses depois de adquirir a Amazon e dez meses antes de lançar a empresa, Jeff
Bezos decidiu aprender a vender livros. Fez, então, um curso sobre como montar
uma livraria, patrocinado pela Associação dos Livreiros Americanos. Cerca de 40
aspirantes a donos de livrarias, de jovens estreantes a casais aposentados em
busca de uma nova carreira, participaram do curso de quatro dias no Benson
Hotel, em Portland. Eles assistiram a palestras que abordavam temas como
operações financeiras em livrarias, atendimento ao cliente e gerenciamento de
estoques. Um dos instrutores era Richard Howorth, dono da Square Books, de
Oxford, Mississippi.
Howorth é um fanático
por atendimento ao cliente. Para enfatizar a importância do atendimento, ele
contou a história de seu mais eloquente exemplo de cuidado com o cliente.
Um gerente da loja
subiu ao escritório de Howorth para informá-lo que uma cliente queria fazer uma
reclamação. Howorth voou para baixo a fim de saber qual era o problema. A
cliente, furiosa, contou que havia estacionado o carro na frente do
estabelecimento, e que, de alguma forma, havia caído sujeira dos vasos de
plantas da sacada em cima do carro dela. Howorth então se ofereceu para lavar o
veículo. Eles entraram no carro e foram a um lava-rápido de posto de gasolina,
mas ele estava fechado para reforma. Ela ficou ainda mais brava. Howorth então sugeriu
que fossem à casa dele. Lá ele pegou balde, sabão, mangueira e lavou o carro.
Quando voltaram para a
loja, a atitude da cliente mudou, e ela voltou em seguida à loja, na mesma
tarde, e comprou uma pilha de livros.
Mais trade, Bezos disse
a um executivo da Associação dos Livreiros Americanos que havia se
impressionado com a história e estava determinado a fazer do atendimento ao
cliente ´a pedra de alicerce da Amazon´ ”. Brandt, pp. 9-10.
Peter Drucker em 1954 conceituou que a finalidade de
uma empresa, qualquer empresa, é “criar
um cliente”. Nos dias de hoje também é necessário atendê-lo e fidelizá-lo.
Empresas vencedoras já aprenderam esse ensinamento:
“A transição da IBM se
baseava em uma ideia central: uma paixão obsessiva pelo cliente”. Collins
citando o CEO Louis Gerstner, contratado para recuperar a IBM em 1993, p. 135.
“Em 2003, decidiríamos
fazer do atendimento ao cliente o foco da empresa”. Hsieh, CEO da
Zappos, p. 130.
“A experiência do
cliente é o próximo campo de batalha competitivo. É onde os negócios serão
ganhos ou perdidos”. Tom Knighton, VP da Forum Corp, in Fast Company
(org), p. 42
“As empresas como as
conhecemos, estão em vias de extinção. Elas não vendem mais produtos, vendem experiências. Já não mais
existem concorrentes, apenas melhores soluções e mais escolhas, que podem ser
reunidas de maneiras mais variadas.” Peter Drucker, citado por Edersheim,
p. 32
Jeff Bezos é o mais apropriado para dizer qual é a obsessão
da Amazon:
“Somos genuinamente
focados no consumidor, somos genuinamente voltados para o longo prazo e
gostamos genuinamente de inventar. A maioria das empresas (...) se concentram
na concorrência, não no cliente.” Stone, p. 20
“Não estou preocupado
com alguém que cobra 5% a menos. Estou preocupado com quem oferece melhor
experiência”. Kotler, p. 181.
Mas, a frase definidora da estratégia de negócio da Amazon, é
esta de Bezos, pronunciada no Commonwealth Club em 27.07.1998:
“Sabemos que, se conseguirmos manter os nossos concorrentes focados em
nós, enquanto colocamos o foco no cliente, no final vamos nos dar bem”.
Brandt, p. 10.
Portanto, desconto é só o “boi de piranha” da Amazon. Se
preferirem uma analogia mais filosófica, pode ser a da “Alegoria da Caverna”,
de Platão.
Cliente que vem por preço, por preço vai
embora, assim como a margem (de lucro). E no varejo, assim como no “Velho
Oeste”, sempre existirá um “pistoleiro” mais rápido. Vantagens competitivas de
longo prazo são:
1-atendimento ao cliente;
2-cultura da empresa;
3-treinamento e desenvolvimento de
colaboradores.
Jack Welch também já disse que “... se você não possui vantagem competitiva, não entre na concorrência”.
Rumelt, p. 67
E como é esse atendimento ao cliente da Amazon? Vou contar
dois casos pessoais, como cliente e como fornecedor.
Compro muitos livros e em muitas livrarias, sejam elas
físicas e/ou virtuais. Há algumas semanas precisei comprar dois livros infantis
para meu filho, pedidos pela escola. Um deles era da Ática e o outro da
Brinque-Book. Portanto, dois livros que, normalmente, não é comum estarem
disponíveis para entrega imediata; somente por encomenda. Entrei direto no site
da Amazon. Não fiquei pesquisando onde tinha menor preço. Depois fiquei me
perguntando porque tinha feito assim. E a resposta é que, de alguma forma, já
aprendi que a Amazon tem disponibilidade imediata.
Para o fornecedor, a Amazon criou e libera o acesso a um site
exclusivo para cada um. Lá é possível acompanhar a venda, o estoque de cada
livro entre um dia e um ano atrás, cadastrar produtos e atualizar informações
sobre eles, pagamentos feitos etc. Com isso, por exemplo, é possível sugerir
reposição de títulos com estoque zerado ou baixo. O pressuposto é de um trabalho
em conjunto. Somente dois ou três clientes no mercado fornecem dados simples
sobre a venda e estoque, com envio de dados por planilha excel, mas uma vez por
semana ou mês.
Outro ponto chave, de grande diferenciação, é com relação à
logística. A Amazon agenda recebimento na logística em dois ou três dias.
Grandes concorrentes entre 10 e 20 dias.
Portanto, definitivamente, o diferencial competitivo da
Amazon não é o preço.
A Amazon vai ter uma participação significativa no mercado do
livro no Brasil? SIM.
Ao final de 2018 será o 1º ou 2º cliente de todas as editoras
e distribuidores que fornecem diretamente para ela.
A Amazon vai pressionar as editoras? SIM.
Já fez isso com grandes e pequenas editoras. Em 2010 com a
Macmillan, da qual chegou a retirar os e-books do site. Em 2014 com a Hachette.
Para as negociações com as editoras menores chegou a ter nos USA, dentro da
equipe de livros, um programa denominado “Projeto Gazelle”. Detalhes em Stone,
p.263.
Mas, pressionar fornecedores, sejam eles grandes ou pequenos,
não é exclusivo da Amazon. Todo grande varejista pressiona seus fornecedores
para obter mais descontos, mais prazo, redução do custo de frete, rateio de
mídia (VPC), bônus por compra, enxoval de abertura de loja etc, enfim, melhores
condições financeiras e, assim, aumentar suas margens de lucro. É mais fácil
isso do que olhar para sua própria operação e ver onde ela é ineficiente e
corrigir. Acontece que, margem de lucro é finita. Portanto, cuide bem da sua.
No Brasil, os grandes do varejo de livros, sejam de âmbito nacional ou
regional, também pressionam as editoras, principalmente as menores, que têm que
dar descontos muito acima do patamar normal de mercado ou seus livros não
estarão nas prateleiras e sites. Logo, é bom acabar com essa dicotomia de
“demônio X santo”, pois isso não vai ajudar a encontrar soluções para problemas
reais.
Com esse cenário, é possível existir um mercado onde pequenas
e medias livrarias e editoras possam coexistir com os grandes do varejo?
Neste momento, a maioria absoluta do mercado do livro, até
grandes do varejo que eram contra no passado recente, veem o Projeto de Lei do Senado n. 49 de
2015, que institui a
política nacional do livro e regulação de preço, como o “Salvador da Pátria”
deste mercado. Esquecem, que já existe legislação que regulamenta qualquer
atividade econômica. É a Lei n. 12.529 de 30/11/2011, que Estrutura o Sistema Brasileiro
de Defesa da Concorrência. Segue o artigo:
Art.
36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa,
os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam
produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados.
IV - exercer de forma abusiva posição
dominante.
§ 3o As seguintes condutas,
além de outras, na medida em que configurem hipótese prevista
no caput deste artigo e seus incisos, caracterizam infração da ordem
econômica:
XV
- vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de
custo;
Não tenho registro de nenhuma ação de livraria, distribuidora
ou associação de classe contra quem comercializa fora dos limites da
legislação. Então, a pergunta é: por que a legislação nunca foi usada por quem
se sente prejudicado?
Respondendo à pergunta se é possível coexistir num mercado
onde a Amazon tenha elevada participação no mercado, a resposta é: SIM, é possível (post em breve). Mas,
para isso, é necessário mudar o posicionamento das empresas, isto é, das
pessoas que as gerenciam, pois, mesmo no negócio do livro, que demorou 545 anos
para ter uma mudança significativa na sua comercialização, somente com o
e-commerce em 1995, não é mais permitido ficar na inércia: “Essa propriedade da massa (resistência a uma mudança de movimento) ...
Nos negócios, a inércia é a incapacidade ou falta de disposição de uma
organização em se adaptar às novas circunstâncias”. Rumelt, p. 191
Para terminar, e com esperança, deixo a sugestão de Tony Hsieh,
CEO da Zappos: “Eduque-se. Leia livros e aprenda com os outros que o fizeram antes”,
p.92, e uma “escalação” de 13 livros. Aliás, quantos desses você já leu?
Bibliografia
AUN, Michael. É o Cliente que Importa: 34 dicas para garantir
a satisfação dos clientes e o sucesso dos negócios. Rio de Janeiro, Sextante, 2012.
BRANDT, Richard L. Nos Bastidores da Amazon: o jeito Jeff
Bezos de revolucionar mercados com apenas um clique. São Paulo, Saraiva, 2011.
COLLINS, Jim. Como as Gigantes Caem: e por que algumas
empresas jamais desistem. Rio de Janeiro, Campus/Elsevier, 2010.
DRUCKER, Peter F. O Gestor Eficaz. Rio de Janeiro, LTC, 2011.
EDERSHEIM, Elizabeth Haas. A Essência de Peter Drucker: uma
visão para o futuro. Rio de Janeiro, Campus/Elsevier, 2007.
FAST COMPANY (org.). Adapte-se ou Morra: e outras 54 lições
dos principais pensadores do mundo dos negócios. Rio de Janeiro, Sextante,
2010.
HSIEH, Tony. Satisfação Garantida: no caminho do lucro e da
paixão. Rio de Janeiro, Thomas Nelson Brasil, 2010.
KAPLAN, Saul. Modelos de Negócios Imbatíveis: como sua
empresa e você podem se manter relevantes em meio às mudanças. São Paulo,
Saraiva, 2013.
KOTLER, Philip. Marketing de A a Z: 80 conceitos que todo
profissional precisa saber. Rio de Janeiro, Campus/Elsevier, 2003.
KRAMES, Jeffrey A. A Cabeça de Peter Drucker. Rio de Janeiro,
Sextante, 2010.
LEWIS, Robin e DART, Michael. As Novas Regras do Varejo:
competindo no mercado mais difícil e desafiador do mundo. São Paulo, Figurati,
2014.
RUMELT, Richard. Estratégia Boa, Estratégia Ruim. Rio de
Janeiro, Campus/Elsevier, 2011.
STONE, Brad. A Loja de Tudo: Jeff Bezos e a era da Amazon.
Rio de Janeiro, Intrínseca, 2014.
Sobre o autor:
As ideias expostas não representam as de quaisquer
empresas ou instituições a que estou ou estive vinculado.
Publicado originalmente no Publishnews em 08/11/2017