Em 11 de janeiro de 2020 foi registrada, na China, a primeira
morte por Covid-19.
A população mundial hoje está na ordem dos 7,8 bilhões de
pessoas. Há 100 anos a população era de 1,8 bilhões e no início da 2ª Guerra
Mundial (1939) era de 2,3 bilhões de pessoas.
Os dados anteriores são apenas para comparar com os a seguir,
para termos noção da ordem de grandeza da situação em que nos encontramos. Neste
mês de abril existem cerca de 4 bilhões de pessoas (52%) obrigadas ou
incentivadas pelos governos de seus países a ficaram confinadas em suas casas,
segundo levantamento da Agência France Press divulgado dia 07/4/2020.
Entre a metade de março e a metade de abril, 22 milhões de
pessoas nos USA solicitaram o seguro desemprego. No Brasil o desemprego pode
atingir o acumulado de 17 milhões de pessoas no final de abril, contra os 12
milhões no fim de Fevereiro, segundo o IBGE. Em Portugal, um milhão de pessoas
estão em lay-off, o que ainda não é o desemprego, mas é uma perda de 1/3 nos
rendimentos dos trabalhadores. A taxa de desemprego estava em 6,5% ao fim de
fevereiro e passou para 8,9% no fechamento de março. Em Portugal, são agora 344
mil trabalhadores desempregados no total.
Com estes dados a economia mundial despencou. E o mercado do
livro não é imune a isso. No Brasil, a queda do faturamento está em 47,47% na
semana de número 15 do ano, segundo a Nielsen. Em Portugal, segundo dados da
GFK para a mesma semana 15 (de 6/4 a 12/4), a queda de faturamento nas
livrarias já está em 84% na comparação com ano anterior. Em Portugal as
livrarias vão reabrir agora em 04 de maio com a limitação de uma pessoa para
cada 20 m2. Os shoppings (centros comerciais) permanecem fechados até 31 de maio.
O mercado do livro está numa situação de UTI / cuidados
intensivos, tanto no Brasil quanto em Portugal, para ficar somente nestes dois
países.
Entretanto, é necessário ter claro que o vírus da Covid-19 só
potencializou uma situação de fragilidade que já existia no mercado do livro.
Não querer ver isso, é tal qual na história de Andersen, “A roupa nova do
Imperador”, onde o Rei estava nu. E essa fragilidade, no Brasil, veio sendo
construída ao longo de 4 décadas, pelo menos, desde os anos 1980 do século
passado.
Assim, para primeiro sobreviver a esta crise e, depois,
seguir em frente, é fundamental levantar dados e analisá-los. Sugiro três
etapas:
1 - caracterizar a situação atual;
2 - entender como se chegou a esta situação;
3 - propostas para fazer diferente e seguir em frente.
1 - SITUAÇÃO ATUAL: FRAGILIDADE.
No Brasil, em 2018, o mercado do livro foi pego de surpresa
com os processos de Recuperação Judicial da Saraiva, Cultura e Bookpartners,
sendo que, esta última, já teve a falência decretada em 09/03/2020 (ver aqui no PN). Com isso, ficou escancarada
a concentração da venda e a consequente situação de dependência, que anda de
mãos dadas com a fragilidade. De um mês para o outro, a quase totalidade das
editoras perdeu entre 40% e 60% do faturamento que estes 3; sim, um, dois, três
clientes representavam. Mas, a surpresa da RJ não pode explicar, por si só, o
momento atual.
Aliás,
sem surpresas, a concentração da venda continua, mas está mudando de endereço.
Em 08 de novembro de 2017, em um artigo aqui no PublishNews
escrevi:
“A Amazon vai ter uma participação significativa no mercado do
livro no Brasil? SIM.
Ao final de 2018 será o 1º ou 2º cliente de todas as editoras e
distribuidores que fornecem diretamente para ela.”
O outro ponto da fragilidade é com relação aos descontos exigidos
pelos maiores clientes em faturamento, sejam livrarias ou não. Depois pelos
descontos que esses clientes oferecem nos seus e-commerces e, na outra ponta,
pelos descontos praticados pelas editoras diretamente ao leitor em seus sites.
Tudo isso contribui para, a cada ano, a cada mês, a cada dia, diminuir o
tamanho do mercado em pontos de venda, tanto para as editoras quanto para o
leitor. Qualquer mercado que tem seus pés fincados no desconto, e não na margem
para o negócio, não tem futuro. A diminuição dos pontos de venda, com o
crescente fechamento de livrarias, também vai afetar as editoras,
principalmente as que têm menor capacidade (caixa) para publicar. Com isso, a
oferta de variedade editorial, a bibliodiversidade, vai diminuir e as ideias,
principalmente as não hegemônicas, terão menor possibilidade de circular. Uma
sociedade democrática precisa da diversidade de ideias para existir.
No meio desta pandemia os descontos praticados por editoras,
pequenas e grandes em faturamento, e por sites de varejo, de livrarias ou não,
chegam aos 50%. Mesmo em Portugal, onde existe a Lei do Preço Fixo, sempre há
um jeito de contornar e está acontecendo também. Este exagero pode ser
explicado, um pouco, pelo momento de desespero que se vive agora, em que cada
um só consegue pensar em soluções individuais e nas contas que tem para pagar
amanhã. Mas, será sustentável? Durante quanto tempo se terá fôlego para manter
essas práticas?
2 - SOBRE COMO CHEGAMOS À ATUAL SITUAÇÃO.
Como aconteceu essa concentração? Quando comecei no livro, em
1981, os descontos das editoras para as livrarias eram de 30% e 35%. Em alguns
poucos casos chegava-se aos 40%. Hoje os descontos começam em 40% (salvo raras
exceções de 35% em alguns segmentos dentro dos livros CTP, os Científicos,
Técnicos e Profissionais) e vão até os 65%, pelo menos. Os livros didáticos de
ensino fundamental e médio não entram nesta análise.
Temos um passado de vivência e sobrevivência a inflações
altíssimas. E isso deixa marcas na cultura, nas mentalidades e nos negócios
também. E o histórico cultural, as mentalidades, não se mudam por decreto. Por
exemplo, as negociações de desconto entre editoras e distribuidores e livrarias
não são de um em um, mas de cinco em cinco pontos percentuais. Já ouvi em muita
negociação comercial o cliente dizer que só tinha 40% de desconto. E eu tinha
que mostrar que isso lhe proporcionava 66,67% de margem bruta de retorno. Assim
como 50% de desconto é 100% de retorno, e 65% de desconto são imorais 185,71%
de retorno.
Voltando à inflação. Decorrente do grande endividamento
externo realizado durante os governos do período da Ditadura Militar, a
inflação pulou dos mais de 200% ao ano em 1985, chegando aos quase 2.000% no
governo Sarney (1985-1990), aos 1.119% no governo Collor (1990-1992) e a
inacreditáveis quase 2.500% no governo Itamar (1993-1994). Algo tinha que ser
feito e veio, então, o Plano Real.
Como era o negócio do livro nessa época? No início dos anos
1990 se ganhava mais dinheiro com a especulação em cima da inflação do que com
o resultado do trabalho. E o overnight era o meio para tal. As editoras, assim
como todos os negócios, foram obrigadas a reajustar os preços mensalmente pelo
índice da inflação. Foi a época em que as grandes livrarias e os distribuidores
mais ganharam. Dia 30 de um mês se compravam, por exemplo, 500 exemplares do
Alquimista (Paulo Coelho) a CR$ 100,00 (cruzeiro real era a moeda) de preço de
capa. Se a inflação do mês tivesse sido de 40%, um ou dois dias depois, apenas no
trajeto do depósito da editora para os distribuidores e livrarias, estes já
teriam ganho mais Cr$ 40,00, pois o novo preço de capa já seria CR$ 140,00. A
seguir, existia o interesse que o leitor pagasse o livro à vista, isto é, somente
em dinheiro, e para tal, dava-se um desconto. O dinheiro dessas vendas depois
era aplicado diariamente no overnight. Assim, foi-se construindo essa prática
nefasta de desconto no livro.
Como a inflação crescia a cada mês, as editoras tiveram que passar
a fazer reajustes quinzenais, depois semanais, até passarem a reajustes
diários. Na sexta-feira de cada semana as livrarias recebiam uma lista das
editoras com os preços para cada dia da semana seguinte. Em seguida cada
editora chegou a ter uma “moeda” fictícia própria, cuja quantidade era
multiplicada pelo valor da URV (Unidade Real de Valor), instituída em fevereiro
de 1994. O valor da URV era diariamente determinado pelo governo. Em julho desse
mesmo ano, mudou-se mais uma vez a moeda no Brasil e foi instituído o atual
Real (R$). Um Real começou valendo uma URV ou os equivalentes CR$ 2.750,00
(cruzeiros reais), que foi a cotação do dia anterior. A URV deixou de existir a
partir de então. Dali pra frente era simplesmente Real (R$). Também houve a
paridade cambial e um dólar valia um real. Foi verdade! Mas isso, já ficou na
“história”.
Uma mudança tão radical assim é difícil de ser assimilada com
rapidez nos negócios. Quem estava acostumado a ganhar dinheiro com a
especulação e não conseguiu se adaptar rapidamente, foi tendo dificuldades e,
alguns distribuidores acabaram por fechar nos anos seguintes. A maior rede de
livrarias da época, a Siciliano, achou outra forma de se adaptar à nova
realidade. Qual foi? Exigir mais desconto das editoras, principalmente daquelas
que tinham best-sellers e, portanto, dependiam da Siciliano para distribuir os
livros em “pilhas” pelas lojas, pois algumas já eram nos shoppings. Uma editora
cedeu à pressão e, na sequência, outras tiveram que acompanhar. E, assim, foi
quebrada a barreira dos 50% de desconto que, até hoje, não retrocedeu a esse
patamar.
Com a estabilidade da economia sempre existe investimento e
surgem mais negócios. Em maio de 1996 a Livraria Saraiva inaugura a 1ª
megastore no Brasil, no shopping Eldorado em São Paulo. Em junho de 1997 é a
vez do Rio de Janeiro com a mega da Rua do Ouvidor. Era a grande novidade da
época. Nas palavras do então diretor-superintendente
da empresa, José Luiz Próspero:
"A Saraiva vem namorando esse conceito de
megastore há mais de oito anos. Essa tendência é muito forte nos EUA e, em São
Paulo, está dando muito certo".
Também em 1997 é inaugurado o Ática Shopping Cultural, no
bairro de Pinheiros em São Paulo. O mercado crescia e atraiu a atenção externa.
Em julho de 1998 a rede francesa Fnac compra o Ática Shopping e vai
reinaugurá-lo com o nome Fnac em 01/06/1999. Nasceu com uma estratégia de
negócios bem definida. Nas palavras de Pierre Courty,
diretor-geral da empresa no Brasil "Os produtos nacionais serão, com
certeza, muito mais baratos aqui".
Instituiu, assim, o “Preço
Verde”, um selo adesivo que era colado nos livros, CDs e DVDs, e que dava 20%
de desconto nos primeiros 30 dias de lançamento (chegada) desses produtos em
loja. O que era, e ainda é proibido na França. As outras livrarias,
principalmente as maiores, optaram por acompanhar a Fnac nessa estratégia, e
começaram a dar descontos também. Para preservarem sua margem, começaram a
exigir mais descontos das editoras que, mais uma vez, na sua grande maioria,
cedeu.
Ainda em 1999, em novembro, com vistas a pegar a época do
Natal, é lançado com grande divulgação, com uso de out-doors e propaganda na TV
aberta, o site do Submarino. Mais uma vez a estratégia de negócio era centrada
no desconto. Desta vez muito agressivo, superior a 30%, tanto que muitos
livreiros ligaram para as editoras reclamando. Para saber mais sobre a
estratégia de venda de grandes varejistas apoiada no desconto, ver este artigo aqui no Publishnews.
Se até aqui o foco foi o desconto, a outra variável que
ajudou a chegar à situação atual, foi a concentração. Tanto de livrarias quanto
de editoras, sendo que estas últimas, até pelo gigantismo, foram ficando cada
vez mais reféns das redes de livrarias, por mais contraditório que isso possa parecer.
Com o Plano Real a inflação foi contida. Nos governos de FHC
(1995-2002) variou entre 1,65% (1998) e 12,53% (2002). Não considerei o ano de
1995, o primeiro após a implementação do Real, no qual se baixou a inflação de
916,43% (1994) para 22,41% (1995). Nos governos de Lula (2003-2010), a variação
ficou entre 3,14% (2006) e 9,30% (2003). Esta relativa ao ano seguinte ao
último ano de FHC (2002).
Este cenário de estabilidade estimulou a expansão das livrarias,
com a ajuda de financiamentos do BNDES. Propiciou também a entrada de editoras
estrangeiras para atuação direta no mercado brasileiro. E as maiores editoras
nacionais começaram a comprar editoras menores por oportunidade de negócio, mas
também para se defenderem da entrada das estrangeiras. Tudo isto aconteceu
essencialmente entre 2000 e 2010, com uma ou outra aquisição em 2011.
2.1 - EXPANSÃO DAS LIVRARIAS.
A primeira importante expansão é a da Livraria Cultura para
além das fronteiras de São Paulo. Em 2003 inaugura a loja em Porto Alegre, que
logo vira a 2ª loja em faturamento do grupo. Em 2004 abre a loja de Recife. E
prossegue abrindo lojas a cada ano.
A Fnac também já vinha expandindo. Tinha aberto em 2001 a
loja no Rio de Janeiro. Ainda existia a Laselva que tinha participação
importante no mercado com as lojas nos aeroportos. Um parêntesis: a Laselva, em
Recuperação Judicial desde maio de 2013, teve a falência decretada em
05/03/2018, noticiou o PN.
Mas, o marco divisório da concentração nas livrarias acontece
em 06/03/2008, quando a Saraiva compra a Siciliano, a maior rede até então. Às
36 lojas da Saraiva vão somar-se as 63 da Siciliano criando-se, assim, um
gigante do varejo de livros com 99 lojas distribuídas por 13 estados (SP; RJ;
MG; ES; PR; SC; RS; GO; BA; PE; PB; RN; CE) além do Distrito Federal.
E esta aquisição traz mais um custo para as editoras e uma
imensa vantagem competitiva para a Saraiva no mercado. Via de regra, a
Siciliano tinha descontos entre 5% e 10% (conseguidos no pós-Plano Real, como
já mencionado) maiores do que a Saraiva. Com a aquisição, a Saraiva forçou para
manter as condições que a Siciliano tinha, e acabou por conseguir isso das
editoras, salvo raríssimas exceções.
Era acirrada a disputa para abertura de novas lojas,
principalmente em shoppings. As negociações eram longas e feitas com muita
antecedência antes da abertura efetiva de uma loja. Em 2011 existiam 430
shoppings no país por onde circulavam mensalmente 376 milhões de
pessoas. O Brasil tinha então 191 milhões de habitantes. Impressiona, não?
Como resultado dessa corrida, na metade de 2012 a situação
das principais redes de livrarias, em número de lojas, era a seguinte:
100 lojas, tinha a Saraiva. Base São Paulo;
32 lojas, tinha
a Livraria Leitura. Base
Minas Gerais;
20 lojas, tinha
a Livrarias Curitiba.
Base Paraná;
13 lojas, tinha
a Livraria Cultura. Base
São Paulo;
11 lojas, tinha
a Fnac. Base São Paulo;
7 lojas, tinha
a Livraria da Travessa.
Base Rio de Janeiro;
6 lojas, tinha
a Livraria da Vila. Base
São Paulo.
Obs: não considerei a Nobel como rede pois as lojas não têm
uma administração centralizada. As lojas são franquias e a negociação com as
editoras é individualizada.
2.2 - ENTRADA DAS EDITORAS ESTRANGEIRAS PARA ATUAÇÃO DIRETA
NO PAÍS.
Segue
uma rápida cronologia:
Grupo Pearson (Inglaterra)
entrou no mercado em 1996 e comprou a editora Makron Books no ano 2000.
Grupo Vivendi (França),
em parceria com o grupo Abril, comprou as editoras Ática e Scipione em 1999.
Saiu do Brasil em 2004 e o grupo Abril comprou a sua parte.
Grupo Prisa-Santillana (Espanha)
entrou no mercado em 2001 com a compra das editoras Moderna e Salamandra. Em
2005 comprou 75% da editora Objetiva.
Elsevier (Holanda) chegou em 1976 no
mercado nacional em parceria com a editora Campus. Suas compras foram as
seguintes:
2002 a editora Alegro
2002 a editora Negócio
2005 a editora Impetus
A Larousse (França)
chegou em 2003.
Grupo Planeta (Espanha)
chegou em 2003. Em 2006 comprou a editora Academia da Inteligência.
Edições SM (Espanha) chegou em 2004.
Almedina (Portugal) chegou em 2005.
Penguin Books (USA) em 2005 fez uma
joint-venture com a Companhia das Letras e, em 2011, comprou 45% do capital
dessa editora.
Grupo Leya (Portugal)
chegou em 2009. Em 2010 fez uma parceria com a editora Barba Negra. Em 2011
comprou a editora Casa da Palavra.
Thomson Reuters (USA) em 2010
comprou a editora Revista dos Tribunais.
2.3 - E AS EDITORAS NACIONAIS TAMBÉM FORAM ÀS COMPRAS.
Mais uma rápida cronologia:
A Guanabara Koogan comprou
editoras nos seguintes anos:
1994 a LTC
2007 a Forense
2007 a Método
2008 a Santos
2010 a Forense Universitária
2011 a EPU
2011 a Roca
2011 a AC Farmacêutica
Todas essas editoras estão sob a
holding GEN | Grupo Editorial Nacional criada em 2007.
A Record também foi às
compras e fez as seguintes aquisições editoriais:
1997 a Bertrand Brasil
1997 a Civilização Brasileira
1997 a
Difel
2001 a
José Olympio
2004 a
Best-Seller
2005 joint-venture com a
canadense Harlequim Books
2010 a Verus
A Saraiva comprou editoras
nos anos de:
1998 a Atual
2000 a Renascer
2001 a Solução
2003 a Formato
Com a compra da Siciliano vieram
também as editoras:
2008 a ARX
2008 a ARX Jovem
2008 a Futura
2008 a Caramelo
A Ediouro comprou editoras
nos anos:
2002 a Agir
2004 a Relume-Dumará
2005 e 2007 a Nova Fronteira
2006 parceria com a Thomas
Nelson
2007 a Nova Aguilar
2008 a Desiderata
A Sextante fez uma compra
diferente. Tem inteligência de negócio aqui.
2007 a Intrínseca (apenas 50%)
A Artmed
(atual Grupo a) comprou em:
2009 a
McGraw-Hill Education no Brasil
A IBEP/Companhia Editora
Nacional comprou em:
2010 a Conrad
Tanta movimentação no mercado só poderia gerar uma produção
elevada. A pesquisa da Fipe, contratada pela CBL e SNEL, apresenta os seguintes
números para o ano de 2011:
20.406 novos ISBN publicados. Se divididos pelos 249 dias
úteis do ano, seria uma média de 82 novos livros por dia. Onde e como colocar
tantos livros nas livrarias?
304 milhões de exs produzidos para mercado (exclui governo).
284 milhões de exs vendidos no mercado.
Portanto, sobra de 20 milhões de exemplares só neste ano. Não
esquecer dos exemplares que vêm sobrando de cada ano anterior. Logo, há muitos
milhões de exemplares nos estoques das editoras. Isso tem custo!
Voltando à pergunta “Onde e como colocar tantos livros, e quais
livros, nas livrarias?” Como isso foi fragilizando o mercado e acentuando a
concentração?
Com a predominância das livrarias de rede nos shoppings,
grandes concentradores de fluxo de pessoas como visto, e com o espaço físico
finito nas lojas, as já mencionadas redes, sem exceção, viram que poderiam
monetizar o espaço de exposição. E começaram a vender de forma direta ou
disfarçada, via participação em encartes promocionais, o espaço nas lojas. Os nomes
dados a esses espaços lembram os utilizados pelos supermercados: gôndola, ponta
de gôndola, linha de caixas, mesa, ilha, ilha central etc. Também se adesivava
o chão e a vitrine, além de banners, totens e displays espalhados pelas lojas. Em
algumas delas existiam aparelhos de TV reproduzindo imagens relativas aos
livros selecionados. Isso sem falar das “pilhas” de livros. Acreditava-se
(continuam?) que as “pilhas” vendiam o livro por si só.
As grandes editoras supra citadas, principalmente as da linha
de Obras Gerais, na classificação da pesquisa da Fipe, eram o foco dessas
ações. Como existia a lógica de publicar muito para aumentar as chances de se
criar / achar um best-seller, a disputa entre elas era acirrada por esses
espaços de exposição. Com isso ficavam em desvantagem nas negociações com as redes.
O objetivo final era conseguir fazer com que determinados livros chegassem às
listas de mais vendidos. Na época, a lista da Veja era a mais importante. Ela quase
que determinava a exposição e as tiragens e reimpressões.
Existia ainda a premissa da novidade e a falácia de que, sem
ela, não se venderiam livros. A definição de novidade era somente o que tinha
sido publicado “ontem” e, não, o livro que o leitor ainda não tinha lido ou
comprado. Lembro de uma vez, quando fazia a apresentação de alguns livros da
Zahar para a equipe de vendas da Siciliano - numa das suas lojas -, ao falar da
Trilogia Tebana, do Sófocles, uma pessoa me perguntou se esse livro vendia.
Respondi com a verdade: sim. Vendia e vende há mais de 2.500 anos!
A cada ano esse esforço das editoras para vender milhares de
exemplares, mas de poucos títulos e que, por necessidade, que essa venda
acontecesse nas redes para entrar nas listas de mais vendidos, (eram as redes
que forneciam os números das vendas para a elaboração das listas), acabou
minando, pouco a pouco, a venda desses best-sellers nas livrarias menores em
espaço físico e que, além disso, também tinham menores descontos. Queda nas
vendas, e margem menor nos produtos, levou ao fechamento anual de pequenas
livrarias por todo o país, como demonstra pesquisa do IBGE divulgada aqui no Publishnews:
Em 2001, 2.374 municípios brasileiros (42,7% do
total) contavam com pelo menos uma livraria. Em 2018, apenas 985 dos 5.570
municípios brasileiros (17,7%) tinham esse tipo de estabelecimento.
Por experiência própria, sei que é possível fazer diferente.
Atuei como livreiro entre 1992 e 1999, com loja na mesma rua da Argumento
Leblon, no Rio de Janeiro, e ainda com a livraria Letras e Expressões a 200 m.
Lojas próximas não são problema a priori. Cada uma tinha clientela fiel e
clientes em comum também, pois cada uma tinha acervos diferentes. A fidelidade
era ao acervo e ao atendimento, ao serviço prestado. Desconto não fideliza!
Mas isto é assunto para o próximo tópico:
3 – PROPOSTAS PARA FAZER DIFERENTE E SEGUIR EM FRENTE,
que fica para um próximo artigo, pois este já ficou longo.
As ideias expostas não representam as de
quaisquer empresas ou instituições a que estou ou estive vinculado.
Publicado originalmente no Publishnews em 05/05/2020.