sábado, 26 de maio de 2012

As livrarias em um novo mercado e o preço único do livro


Com a divulgação em 15 de Maio de 2012 por parte da Associação Nacional de Livrarias, a ANL, do Levantamento Anual do Segmento de Livrarias feito junto a suas associadas para identificar o comportamento do setor livreiro em 2011, veio à tona, mais uma vez, a questão da “Lei do Preço Único do Livro”, dos descontos concedidos nos lançamentos, da concentração do mercado e do fechamento das pequenas livrarias.

Mais uma vez a tábua de salvação mencionada nas entrevistas é a “Lei do Preço Único do Livro”. O que é isso? De forma resumida, é o seguinte: durante um determinado período de tempo após o lançamento de um livro (seis meses ou um ano, por exemplo) não poderiam ser concedidos descontos na venda desse livro para o consumidor final, o leitor. No máximo, algo entre 5% e 10%.

Alguns pontos a serem observados: isso é legal, do ponto de vista da Lei? O que o consumidor final, o leitor, vai achar de não poder comprar mais esses livros com desconto?

Pesquisando na Lei maior, a Constituição, o Título VII trata da Ordem Econômica e Financeira e o capítulo 1 dos Princípios Gerais da Atividade Econômica. A seguir vem o artigo 170 que dispõe o seguinte:
“A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, (...), observando os seguintes princípios:
(...)
IV – livre concorrência
V – defesa do consumidor

Pesquisando um pouco mais cheguei ao CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, que pela Lei 8.884 de 11/06/1994 foi transformado em Autarquia. Essa Lei é conhecida como Lei antitruste e Lei antidumping. Seu artigo inicial diz o seguinte: Art. 1º Esta lei dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica, orientada pelos ditames constitucionais de liberdade de iniciativa, livre concorrência, função social da propriedade, defesa dos consumidores e repressão ao abuso do poder econômico.(grifos meus)


Segue a definição do conceito de livre concorrência exposto na página do CADE:
Livre concorrência
O princípio da livre concorrência está previsto na Constituição Federal, em seu artigo 170, inciso IV e baseia-se no pressuposto de que a concorrência não pode ser restringida por agentes econômicos com poder de mercado. Em um mercado em que há concorrência entre os produtores de um bem ou serviço, os preços praticados tendem a se manter nos menores níveis possíveis e as empresas devem constantemente buscar formas de se tornarem mais eficientes, a fim de aumentarem seus lucros. Na medida em que tais ganhos de eficiência são conquistados e difundidos entre os produtores, ocorre uma readequação dos preços que beneficia o consumidor. Assim, a livre concorrência garante, de um lado, os menores preços para os consumidores e, de outro, o estímulo à criatividade e inovação das empresas. “

Apesar de leigo em Direito, entendo que é contra a Constituição a existência de uma lei que proíba descontos e que, portanto, também iria contra o interesse do consumidor que é o de obter, sempre, o menor preço em qualquer aquisição.

A grande questão é que o mercado do livro, no que diz respeito à comercialização, mudou. Em 1455 Gutenberg comercializou o primeiro livro impresso com tipos móveis de metal no Ocidente, a Bíblia. Depois, na prática, estabeleceu-se que o editor publica o livro e o distribuidor e as livrarias formaram uma cadeia de distribuição para a venda do livro para o leitor. Essa estrutura permaneceu por muito e muito tempo, até que, 540 anos depois, em 1995 a Amazon começou a venda de livros pela internet. No Brasil, também em 1995 (setembro), a Livraria Cultura foi a primeira a perceber que mudanças estavam no ar e começou sua operação nesse novo canal. Esse foi o primeiro marco divisório, a grande quebra de paradigma; o segundo será o “livro digital” e, mais em particular, sua comercialização, mas isso fica para outro post.

O mercado do livro também acompanha uma das características da economia mundial: a concentração por meio de fusões, aquisições e joint-ventures. No Brasil, o processo de concentração consolida-se em 2008, quando a Saraiva comprou a Siciliano. Com esse fato, outras livrarias como Cultura, Fnac, Travessa, Vila, Curitiba, Leitura etc, que já vinham abrindo lojas, tiverem que acelerar o ritmo.

Concomitante a isso, mas tendo início lá no final do séc xx, o comércio em geral começou o processo de migração para os shoppings. Como são espaços comerciais que têm custos maiores, isso contribui, mais ainda, para o processo de concentração. No ano 2000 existiam no Brasil 280 shoppings. Em 2011 já eram 430 (crescimento de 53,57%). Neste ano de 2012 devem ser inaugurados mais 43 e outros 31 já estão previstos para 2013. Circulam por mês, em média, em todos estes shoppings 376 milhões de pessoas. A população do país é de 191 milhões de pessoas. Portanto, grande parte do público comprador circula nos shoppings e, é claro, compra nos shoppings. As livrarias que lá não estão, principalmente as menores, vão perdendo faturamento a cada ano, salvo raras exceções.

É um cenário assustador para as pequenas livrarias? É sim. Estão sendo pegas de surpresa? Entendo que não, pois lá se vão mais de 15 anos quando os sinais e os exemplos de novas formas de comercialização do livro começaram a aparecer. Na verdade não foram se preparando e não investiram em atendimento, serviços e, principalmente, na internet, no e-commerce. Eu mesmo venho escrevendo aqui sobre a importância do e-commerce para o mercado do livro desde 2009.

Ainda existe chance de sobrevivência para as pequenas livrarias? A resposta é SIM, mas, a cada ano que passa, isso será mais difícil. E a saída, com certeza, não é uma “intervenção” do governo para controlar preços finais de venda ao consumidor. As livrarias estão no mercado de varejo, e varejo é um processo dinâmico. Portanto, não dá mais para ficar atrás do balcão esperando o cliente entrar na loja. Há que se ir até ele. O melhor caminho e o mais rápido é pela web.

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