sexta-feira, 4 de março de 2011

A Transformação das Livrarias no Brasil: do livro ao...

Até o início dos anos 1990 do século passado, quando se pensava em livraria, a imagem que surgia em nossa mente era a de uma espécie de santuário onde nós, leitores, podíamos ter contato com os livros e comprá-los. Passados 20 anos, quando se fala em livraria, qual é a imagem que surge para você?

Hoje nas livrarias, além dos livros, é possível encontrar CDs; DVDs; games; revistas; produtos da linha papelaria, desde um simples lápis a caixas vazias para presente ou para guardar quinquilharias; computadores e toda linha de insumos de informática; TVs e outros eletrônicos; brinquedos; produtos exclusivos, que não livros, com a marca da livraria. Também é possivel tomar café-da-manhã, almoçar, lanchar e jantar. Para além das tradicionais noites de autógrafos, são oferecidos ciclos de debates e palestras. É possível fazer cursos, assistir a pocket shows, recitais de poesia, ir ao teatro e, recentemente, ir ao cinema. Ah, já ia esquecendo, nos fins de semana, ao invés de levar seus filhos para a pracinha, existe a opção de levá-los para as livrarias e participar das diversas atividades oferecidas em muitas delas: contação de histórias, teatrinho de fantoches, teatro infantil, oficinas de ilustração, de dobraduras e modelagem etc, etc, etc.

É claro que tudo isso não aconteceu de uma hora para a outra, num piscar de olhos ou estalar de dedos. Foi, e ainda é, um processo de adequação e permanente busca por novas oportunidades comerciais que, na maioria das vezes, só são vislumbradas por poucos. Depois, quem não pensou primeiro, tem que copiar.

Mas, como chegamos a este momento atual das livrarias? Como começou esse processo da transformação que vivenciamos agora? Em conversa  com José Luiz Goldfarb (@jlgoldfarb) via Twitter, tive a confirmação que a Livraria Belas Artes (1979-2006), localizada na Av. Paulista n. 2448, perto da Consolação, foi a primeira a ter café e espaço para eventos. Goldfarb foi o proprietário entre 1985 e 2003.

Pelo que foi possível apurar, somente em 1996 outras livrarias passaram a ter cafés, fossem eles grandes ou pequenos espaços. Naquele ano a Livraria Argumento no bairro do Leblon, RJ, inaugurou o Café Severino e a Livraria da Travessa, ao inaugurar sua primeira loja em Ipanema, RJ, também ofereceu um espaço com café. Ainda em 1996 foi inaugurada em Belo Horizonte a Livraria Café com Letras. Em Brasília, agora em 1998 (12 de julho), foi aberta mais uma livraria com o nome Café com Letras (sem relação com a de BH). No ano 2000 a Livraria Cultura, com a loja do Shopping Villa-Lobos, também passou a ter um café. O que foi tendência, consolidou-se e hoje, qualquer livraria que abre suas portas, seja grande, média ou pequena, de rede ou não, tem um espaço com café.

As livrarias, principalmente as maiores, foram percebendo que o café ajudava as pessoas a ficarem mais tempo dentro da livraria, o que aumentava a possibilidade de mais vendas. Com isso, esses espaços começaram a ser ampliados e transformados em bistrôs e restaurantes. E, é claro, tiveram que ser terceirizados, para que as livrarias não perdessem seu foco de negócio: o livro.

O passo seguinte na transformação das livrarias foi a presença de auditórios, sejam eles grandes ou pequenos. Salvo engano, o primeiro foi o da Livraria Cultura, em 2000, no Shopping Villa-Lobos. O Ática Shopping Cultural, inaugurado em 1997 em São Paulo, tinha um espaço para eventos, mas não era um auditório com poltronas ou cadeiras.

Quem melhor trabalhou a questão dos auditórios até agora e incorporou esse espaço a cada nova loja que abriu, sem exceção, foi a Livraria Cultura. É importante observar que não adianta ter um auditório só para dizer que o tem. Afinal, ocupa um espaço em torno de 70 a 100 m², e esse espaço será bem caro, se não for devidamente utilizado. E ser bem utilizado implica em conseguir que, diariamente, nele sejam realizadas atividades culturais. Para que isso ocorra, há que se ter uma boa equipe de eventos nos quadros da livraria. Portanto, é bem mais complexo do que parece ter um auditório dentro de uma livraria.

Em julho de 2010 já escrevi neste blog sobre as pequenas livrarias (leia aqui). Direcionando agora o olhar para as livrarias de rede, identifico dois grandes modelos de negócio, capitaneados pela Saraiva e pela Cultura. Existem outras redes que desenvolvem trabalhos parecidos, além de comercializarem e oferecerem a seus clientes um espectro semelhante de produtos. Os resultados, pelos mais diversos motivos, variam entre cada uma dessas redes. O certo é que, até agora, todas têm sucesso dentro das suas propostas de negócio.

Pelo lado do modelo de negócio da Saraiva, identifico semelhanças entre a Fnac, a Livrarias Curitiba e a Leitura (sede em BH). Pelo lado da Cultura vejo semelhanças entre a Travessa e a Livraria da Vila.

De comum no mix de produtos entre elas, além dos livros, estão os CDs, os DVDs e os games, além de alguns jogos educativos. O modelo de negócio Saraiva e redes semelhantes, opta por oferecer a seus clientes, nas lojas físicas, outros produtos das linhas papelaria, informática, eletrônicos, softwares, telefonia, cine e foto etc. Com isso, é claro que o espaço reservado para a exposição de livros e suas estantes é bem menor. Em algumas megas a área para produtos que não são livros já passa da metade do espaço total da loja. Já o modelo de negócio Cultura e redes semelhantes, aposta em concentrar a oferta de produtos nos livros que, assim, ocupam a maior parte do espaço físico dessas lojas.

Agora em janeiro e fevereiro foi noticiado que até as megas livrarias dos Estados Unidos e Austrália, por exemplo, estão fechando as portas. Mesmo o mercado brasileiro sendo bem diferente e ainda tendo muito para crescer, existirá espaço para esses dois tipos de negócio? Se sim, qual dos dois será majoritário?


foto Ari Brandy
Considero o ano de 2007 um marco na mudança de concepção do negócio livraria. Explico-me. Nesse ano é inaugurada a loja da Livraria Cultura no Conjunto Nacional em São Paulo; uma loja de 4.300 m². Até aí nada de mais se junto não viesse a inauguração de um TEATRO dentro da livraria, o Eva Herz. Em 2010, por ocasião do terceiro aniversário, foi divulgado que passaram por esse teatro 100 mil pessoas, nas suas mais diversas atividades culturais como palestras, shows, encontros, trasmissões ao vivo de programas rádio, projeções, leituras, cursos e peças de teatro, de textos infantis e adultos. Essas 100 mil pessoas para chegarem ao teatro passaram por dentro da livraria. Logo, dá para imaginar e com certeza quase que absoluta, que uns 100 mil produtos foram vendidos para essas pessoas.

Em 2010, em 3 de setembro, a Livraria Cultura volta a surpreender com a inauguração do Cine Livraria Cultura, que faz parte do complexo cultural que vem sendo construído no Conjunto Nacional, na Av. Paulista. Além da grande loja de 4.300 m², ainda existem a loja de Artes e três lojas customizadas e administradas pela Livraria Cultura: a loja da Companhia das Letras, a do Instituto Moreira Sales e a da Record.

Voltando à questão do teatro, essa ideia surgiu na Grécia há mais de 2.500 anos e permanece viva nas sociedades atuais. Atrevo-me a dizer que, simbolicamente e no imaginário das pessoas, teatro remete a cultura, assim como cinema remete a diversão. Como em 2010 a Livraria Cultura inaugurou mais dois teatros nas lojas de Brasília e Salvador, e já divulgou que a loja a ser aberta no centro do Rio em dezembro de 2011 também terá um teatro Eva Herz - será o quarto da rede -, creio que este processo confirma a criação de um novo modelo de negócio para o segmento das livrarias.

E qual é ou seria esse novo modelo de negócio? É um modelo de negócio em que o foco é a prestação de serviços dentro de um polo de atrações culturais e não a venda de produtos. A venda do livro será uma consequência. Dará certo?

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