segunda-feira, 10 de maio de 2010

Com o Livro Digital, Será o Fim das Editoras?

Já li alguns comentários na internet relacionando a chegada do livro digital ao fim das editoras, isto é, que estas não seriam mais necessárias para que um autor publicasse seu livro. Que os autores cuidariam diretamente da venda de seus livros e, portanto, poderiam ganhar mais. Mas, será que essa questão é tão simples assim?

Comecemos por imaginar a seguinte situação: um jovem e brilhante universitário, porém desconhecido como autor, acaba de defender sua tese de mestrado e recebe da banca examinadora a nota máxima: 10 com louvor e a recomendação "para publicação". Imaginemos um pouco mais. Dois caminhos para este jovem autor:

01-converte sua tese digitada em word para PDF e a envia para ser vendida no site da Amazon, do Gato Sabido ou de quaisquer outras livrarias virtuais.

02-envia cópias da sua tese para algumas editoras comerciais tradicionais e de reconhecida qualidade e, uma delas, resolve publicar sua tese.

Pergunta: por qual destes dois caminhos o jovem e brilhante, mas ainda desconhecido mestre/autor, terá a possibilidade de obter sucesso de crítica e de vendas?

A resposta é que o sucesso terá maior chance de acontecer via editora comercial, mesmo que o livro seja publicado por esta também na versão digital. Vejamos os porquês:

O trabalho realizado numa editora e que antecede a publicação de um livro, seja no formato agora denominado tradicional (impressão em papel), seja no formato digital, é grande. Exige o envolvimento de vários profissionais com formação técnica e universitária específicas e, via de regra, é desconhecido por parte das pessoas que trabalham nas empresas da cadeia produtiva do livro, como livrarias e distribuidores, além dos leitores e, em alguns casos, até de autores.

O primeiro passo nesse trabalho editorial é a escolha do título a ser publicado, o que já requer um conhecimento acumulado durante vários e vários anos, por parte dos responsáveis nesse processo de escolha. Nessa seleção devem ser avaliados três pontos basilares:
1-a pertinência do título para o catálogo da editora;
2-a qualidade do texto;
3-a viabilidade comercial do título, o que geralmente é difícil de avaliar;

Decidida a escolha, o texto original começa a ser trabalhado por um editor; a leitura do texto por parte desse profissional tem por objetivos (aleatoriamente listados):
a) adequá-lo às normas de padronização da editora;
b) verificar a fluência do texto e identificar repetições desnecessárias;
c) verificar a organização e a clareza das ideias que formam o texto;
d) verificar a ortografia e a sintaxe do texto;
nota: sintaxe é a parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e a das frases no discurso, bem como a relação lógica das frases entre si.
e) propor alterações no texto, sejam adições e/ou exclusões;
f) redigir as notas do editor, para esclarecer e/ou situar o próprio texto ou algumas passagens;
g) identificar a necessidade de uma revisão técnica;
h) organizar a bibliografia e pesquisar quais livros citados já têm traduções publicadas;
i) preparar glossário e índice remissivo;
j) verificar a necessidade de iconografia para o livro, sejam fotos, mapas, gráficos etc. e cuidar da seleção e da liberação dos direitos autorais desse material;
k) identificar a necessidade de se convidar algum especialista para escrever prefácio e/ou introdução;
l) organizar a estrutura do livro, revendo a divisão hierárquica de partes, capítulos, entretítulos etc., e montar o sumário a partir disso;

Depois existe a fase do projeto gráfico onde são definidos elementos como (aleatoriamente listados):
a) formato do livro
b) margem
c) mancha, que é a parte ocupada pelo texto
d) tipo da letra e seu corpo (tamanho)
e) entrelinha (o espaço em branco entre as linhas)
f) aberturas de capítulos e partes
g) epígrafes
h) cabeço (com "o" mesmo)
i) numeração das páginas
j) formatação do sumário
k) etc., etc.

Após esse trabalho de edição e copidesque o texto passa para a diagramação, que é a fase de inserir o texto no projeto gráfico resultante de um estudo feito por um designer gráfico. Depois da diagramação ainda existem as seguintes partes a serem executadas:
1) duas revisões tipográficas;
2) criação da capa;
3) preparação dos textos de orelha, quarta capa e divulgação;
4) assessoria de imprensa;
5) ações de marketing;
6) comercialização.

Portanto, como é que um autor, além do enorme trabalho que já tem para escrever um livro, como é que esse autor ainda vai cuidar de todo o processo descrito acima? Quem acha que isso pode ser viável?

Segue a opinião de um grande pesquisador da história do livro, Robert Darnton, no seu livro "A Questão dos Livros: passado, presente e futuro" publicado pela Companhia das Letras no final de abril de 2010. A citação está na página 16, mas recomendo, com ênfase, a leitura do livro inteiro.

"Como insistem os historiadores do livro, autores escrevem textos, mas livros são produzidos por profissionais do livro, e esses profissionais exercem funções que vão muito além de manufaturar e difundir um produto. Editores são guardiões de portais, responsáveis por controlar o fluxo do conhecimento. Da variedade sem limites de material suscetível de ser tornado público, selecionam o que, acreditam, irá vender ou deve ser vendido, conforme suas habilidades profissionais e convicções pessoais. Os juízos dos editores, delineados por uma longa experiência no mercado das ideias, determinam aquilo que chega aos leitores, e numa era de sobrecarga de informação os leitores precisam confiar mais do que nunca nesse julgamento. Ao selecionar textos, editá-los, permitir sua legibilidade e trazê-los à atenção dos leitores, os profissionais do livro fornecem serviços que sobreviverão a todas as mudanças tecnológicas." [os grifos são meus].


Este post começou a ser escrito em 03.02.2010 e contou com informações de Rita Jobim e Carolina Falcão para as partes mais técnicas.

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